Uau, foi só piscar e já estamos praticamente na metade de 2019! Interessante pensar que essa frase é uma recorrente, entra ano e sai ano, sempre achamos que ele passou rápido e não fizemos um monte de coisas. Por isso que este ano iniciei pensando “que história gostaria de contar”, assim essa percepção torna-se mais leve, pois mesmo que a história não tenha sido exatamente a que planejamos, houve uma história com certeza, e com ela colheremos frutos e inspiraremos alguém.
No meu caso não me desviei da rota sonhada, mas sim, descobri que ela é muito mais abrangente do que eu imaginava. Por trás da nova coleção que a Yankatu lança todos os anos existem inúmeras pesquisas, projetos de impacto social, palestras, talks, curadorias, exposições na galeria e ainda viagens em que me torno ponte, ou melhor, elo, levando pessoas incríveis para conhecer os artesãos, suas técnicas, suas obras, seus entornos.
E no seu caso, como foi? Que histórias você contou até agora? A partir delas o que acha que está por vir?
Eu adoro ler e escrever, como acho que você já pode perceber, né? Por isso decidi me comunicar com vocês através de cartas 🙂 Um hábito em desuso que quis resgatar pois me passa a sensação de maior proximidade, de acolhimento. Espero que gostem!
Bom, sobre as minhas próximas histórias? Com tudo o que visualizei dentro da Yankatu precisei sair um pouco de cena para poder ter uma visão mais ampla do conjunto, e como para mim nada pode ser melhor do que mergulhar na floresta Amazônica, resolvi praticamente desaparecer por lá. Fui para um lugar onde não há sinal de celular ou wi-fi, mas há vida latente no melhor sentido da palavra.
Aldeia Boa Vista, no Acre, cravada as margens do rio Jordão, cerca de 4/5 horas de canoa motorizada da cidade mais próxima, Jordão, onde praticamente só se chega de barco ou avião (bem pequenininho). Lá a cultura Huni Kuin permanece preservada, nas tradições das artes, artesanatos, plantios e coletas, cerimônias, ervas medicinais, língua, música, alimentação, formas de viver, ouvir e ver o outro e o seu entorno.
Nem preciso dizer que o que era para ser descanso praticamente já virou mote para a coleção 2020!
A etnia Huni Kuin é reonhecida por suas pinturas de miração que já os levaram inclusive a expor na Fundação Cartier em 2012, através do movimento MAHKU, o Movimento de Artistas Huni Kuin, mas seus talentos seguem também por outras direções. Desde a cerâmica feita de forma bem tradicional e queimada nas brasas das fogueiras da noite anterior, até os teares recheados de grafismos que representam os símbolos sagrados da floresta, como a jibóia, feitos com algodão que é plantado, colhido e fiado na própria aldeia.
Passar dez dias entre eles foi uma experiência inesquecível. Claro que se hospedar em uma aldeia tradicional não é simples, é preciso dormir em rede, tomar banho de rio e outras coisinhas mais, mas tudo isso que a princípio pode parecer difícil passa desapercebido quando de fato estamos lá. As coisas acontecem numa harmonia tão suave que nem nos damos conta que há dias já não nos preocupamos com mensagens, e-mails, ou mesmo com o espelho. A nossa percepção se modifica, nosso olhar se amplia.
Acompanhei o nascimento de panelas e cuias de cerâmica, participei da colheita da mandioca, trancei palha para fazer meu próprio tapete, fui batizada com jenipapo para receber a proteção da floresta, assisti a cantos, rituais e brincadeiras típicas, observei o fiar do algodão e a sua transformação em vestidos, coletes e tapeçarias, aprendi algumas palavras em Hatxakuî.
E as crianças?! Nossa, quanto amor! Passei dias desenhando e brincando com elas, numa troca infinita de sonhos. Houve uma delas em especial, a Ibatsei, 7 anos, com que tive uma conexão mais forte desde o primeiro dia. Dona de um sorriso doce que some sempre que uma câmera aponta na sua direção, é séria e compenetrada na hora de desenhar, enriquecendo seus desenhos com os símbolos sua cultura de forma bastante significativa.
Na minha última noite na aldeia, ela surgiu, me abraçou e sorriu. Começamos a nos comunicar por sorrisos e algumas palavras, como fazíamos sempre, uma vez que ela ainda não fala português, e de repente ela bateu delicadamente na minha barriga e disse “Ibatsei”. Eu sorri, toquei na minha barriga e respondi “Maria”, tocando em seguida na dela dizendo “Ibatsei”. Isso se repetiu algumas vezes até que uma pessoa que passava viu e disse: ela está te batizando, está te dando o nome dela, você agora faz parte da família!
A emoção tomou conta de mim, nem sei como colocar em palavras, só sei que eu, que estava com saudades mesmo antes de partir, já estou pensando em como farei para retornar e poder contar mais esta história!
Enfim, poderia passar horas aqui contando tudo que vivi e senti, porém não quero te deixar cansado de mim assim de cara! E você, que histórias têm para me contar?
Com carinho,
Maria Fernanda Paes de Barros