TEMPO DE ESPERA

A liberdade é um dos alimentos da alma e tê-la cerceada por meses a fio é algo difícil de lidar. A cada dia me surpreendo mais com a nossa capacidade de superação, seja aqui, seja no Pará, seja no Xingu, seja no Japão. Mudamos a forma de nos comunicar e hoje nos comunicamos também com nos mesmos, algo que para muitos havia sido deixado de lado.

No princípio essa comunicação com nós mesmos é assustadora, é difícil encarar nossas fraquezas, os lados não tão bacanas do nosso jeito de ser, mas, depois de um tempo, conseguimos olhar nosso passado e entender o que nos trouxe até aqui, o que é realmente nosso e o que carregamos pelo caminho sem necessariamente nos pertencer. Ganhamos outro tipo de liberdade, a de escolher o que queremos ou não levar conosco daqui para a frente.

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Essa incursão pra dentro da gente nos traz a sensação de pertencimento, um vínculo com nosso passado que não nos prende, ao contrário, nos liberta para sermos quem somos de verdade. Todos, sem exceção, possuem em sua história e na história de seus antepassados fatos dos quais se orgulham e aqueles que preferiam que não estivessem ali. Quando a gente acessa essa parte que deixamos escondida dentro de nós e conseguimos entendê-la e aceitá-la damos um passo enorme para superá-la e transformá-la em algo melhor. Fugir da nossa verdadeira história é o que realmente limita nossos movimentos.

Falo isso porque iniciei essa jornada há alguns anos atrás e foi a partir dela que a Yankatu nasceu. No início fui muito questionada, uma mulher viajando sozinha para lugares não tão comuns nos roteiros turísticos, uma mulher já não tão jovem passando dias incomunicável numa aldeia no meio do Acre, indo na contramão do entendimento comum e batendo o pé que todas as peças que criaria somariam saberes, teriam alma de verdade, contariam histórias e espalhariam pelo mundo o modo de vida e as tradições do povo brasileiro. Cheguei a ser parada por um grupo em uma praia no rio Tapajós pois eles queriam tirar uma foto para mostrar aos amigos como era uma mulher que viajava sozinha… Da pra acreditar? Pois é, é uma mulher igual a todas as outras, só que ela se permitiu não se preocupar com a opinião dos outros, não se ater aquilo que é esperado. Acredito que isso seja uma das principais coisas que proponho aos artesãos que tenho o privilégio de conhecer, que se conectem com suas origens, olhem as coisas de diversos ângulos diferentes, ressignifiquem o que não lhes faz tão bem e a partir daí libertem-se e libertem também a sua criatividade.

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Não sei exatamente por que estou contando tudo isso para vocês hoje, fazia tempo que não parava para escrever, acho que perdi um pouco a noção do tempo ou melhor, acho que não estou mais tão presa a ele, rsrsrsrsrs. Seja como for, essa é uma viagem que espero que todos possam fazer um dia. Entender, aceitar, superar e transformar é o que nos liberta para a vida. Tenho certeza de que depois disso muita gente seguirá seu caminho mais leve, muito mais leve!    

Essa liberdade me permitiu ir muito além do que jamais imaginei e o melhor, levar comigo o artesanato brasileiro e as histórias e saberes de tantos artesãos incríveis. Hoje o meu trabalho a frente da Yankatu, meu propósito, minha forma de enxergar a vida, fazem parte da publicação suíça AS Architecture Switzerland Uma revista única em sua forma, o AS é simultaneamente vinculado, destacável e classificável. Ferramenta de trabalho, referência e memória por excelência, AS é a coleção de realizações arquitetônicas suíças de qualidade, essenciais para arquitetos, engenheiros, proprietários de edifícios, estudantes, amantes da arte e bibliotecas. Não poderia estar mais feliz! Mas tenho plena consciência de que não chegaria até aqui se não tivesse me permitido ser livre e me permitido conhecer tantas pessoas incríveis por esse caminho.

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Foi por me permitir ser livre que conheci Kulikyrda Mehinako e nos tornamos grandes amigos. É esta amizade e confiança que me permite desenvolver mesmo a distância o projeto XIngu com as mulheres da aldeia, com quem tenho desenvolvido peças, trocado ideias, aprendido muito e ensinado também. No início me surpreendi com a facilidade que ele tinha para entender minhas ideias malucas, mas agora, enquanto escrevia para vocês, minha ficha caiu! Ele vive na Reserva Indígena do Xingu, já veio várias vezes para São Paulo, acessa a internet, tem Instagram, dirige carro, é agente de saúde, mas acima de tudo é Mehinako e tem muito, muito orgulho disso. Ele não está preso a ideias preestabelecidas pela nossa sociedade, é livre para criar bancos de animais a partir de troncos de árvores, para pintar seu corpo, cantar e dançar, e é essa liberdade que permite que, ele lá e eu aqui, consigamos nos comunicar tão facilmente.

Aguardem! Vem muita coisa linda por ai!!!

Com carinho,

 Maria Fernanda Paes de Barros