MADE 2022

A 10ª edição da MADE aconteceu junto com a 1ª edição da ArPA, uma nova feira de arte criada pela Camilla Barella. Em formato inovador a MADE apresentou uma exposição na qual as fronteiras entre o design e a arte tornaram-se praticamente inexistentes.

A Yankatu esteve presente lançando a obra Caminho: meu, seu, nosso. Um misto de aparador e escultura esculpido e tecido em madeira jequitibá rosa maciça que nasceu a partir da reflexão sobre os passos que dei para chegar até aqui e os que ainda pretendo dar, sobre os encontros que tive pelo caminho, sobre os caminhos de cada um e que por vezes são de todos.

Foram dias de trabalho intensos, mas sempre recheados de sorrisos, de encontros e reencontros, de descobertas e novas paixões. Parabéns Camila Barella, Waldick Jatobá, Bruno Simões e Élcio Gozzo pela organização e curadoria impecável e por estarem sempre à frente do tempo! Para mim é uma honra fazer parte dessa família que cresce a cada ano!

OBRA CAMINHO: MEU SEU, NOSSO

São muitas as mãos envolvidas. A do Stive Mehinako, na aldeia Kaupüna, que coletou as folhas e cascas de árvores para tingirmos os fios com a alma do Xingu. A da Maibe Maroccolo da Mattricaria, que extraiu deles os pigmentos que coloriram o algodão. A do Guto e do David, na marcenaria, que quebraram a cabeça para esculpirem no jequitibá maciço as curvas que a obra exigia, traduzindo meu projeto em etapas capazes de serem realizadas pela router CNC. A das mulheres da aldeia Kaupüna que me ensinaram por meio de aulas em vídeo como tecer uma esteira com talos de buriti. E as minhas, que desenharam a obra e teceram com cilindros de jequitibá as suas histórias.

Obra Caminho - Em producao (1)
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Obra Caminho - Em producao (2)

Quando caminhamos deixamos pegadas, mesmo que invisíveis, que contam que passamos por ali, conhecemos pessoas, trocamos, emocionamos, impactamos. Deixamos rastros que podem ser seguidos, compartilhando caminhos, mesmo que em outro tempo e espaço. Seguimos adiante, por um caminho ainda não definido, acreditando na nossa intuição, no nosso coração, nos nossos sonhos. Nosso caminho pode ser em linha reta ou orgânica, pode subir e descer, pode girar livremente ao sabor do vento, mas ele sempre será guiado por fios que o conecta ao nosso propósito.

Podemos caminhar sós, mas com certeza encontraremos vida a cada passo da do, que pode ou não se juntar a nós para caminhar ao nosso lado por um tempo ou todo ele, ou vir algum tempo depois inspirados pelas pegadas que deixamos para trás.

A obra Caminho: meu, seu, nosso nasce após minha reflexão sobre os passos que dei até aqui e os que ainda darei. Passos que trazem minha história de vida, a de meus ancestrais e das vidas que encontrei pelo caminho. Passos que passaram pela aldeia Kaupüna, no Xingu, onde conheci o povo Mehinaku e tempos depois aprendi com as mulheres a técnica tradicional de tecelagem das esteiras de buriti. Passos que depois adentraram a aldeia Barra Velha, na Bahia, onde convivi com o povo Pataxó e entendi ainda mais profundamente a importância da minha passagem por aqui.

Na obra o jacaré caminha, ele se esforça em uma subida praticamente vertical, deixa suas pegadas marcadas antes de seguir adiante num voo de liberdade. Traz consigo sua história, a história do seu bioma, dos animais e dos povos que compartilham com ele da mãe Terra.

 

Nesta obra estão presentes tradição e contemporaneidade. A tradição no tecer da esteira e do roda-vento e no desenho do jacaré, tão presente na realidade diária do povo Mehinaku. A contemporaneidade nos cilindros de cabreúva que substituem os talos de buriti e na mensagem que o jacaré leva e espalha ao vento, tentando alcançar o mais longe possível.

Por meio de aulas em vídeo captadas e enviadas via WhatsApp pelo Stive Mehinako, eu aprendi com as mulheres da aldeia Kaupüna como se tece uma esteira tradicional, com talos de buriti, sentada no chão com movimentos rápidos de vai e vem, que levam fios de algodão coloridos, criam grafismos e transbordam vida.

Foi no início de 2020, quando a pandemia me impediu de voltar para a aldeia. Eu não pude estar com elas lado a lado nesse aprendizado, mas sempre sinto seu calor e afeto guiando minhas mãos e minha alma quando teço suas histórias e a minha, entrelaçadas, com cilindros de cabreúva maciça. As aulas foram remuneradas, respeitando e valorizando seus saberes e tradições. O dinheiro recebido ajudou-as a enfrentar as dificuldades quando elas decidiram em conjunto, como é parte da tradição, utilizá-lo para comprar alimentos para poderem permanecer em segurança dentro da aldeia naquele momento de incertezas.

Esta peça, assim como o Bufê Abrigo, lançado em 2021, é minha maneira de homenagear o povo Mehinaku que me recebeu e acolheu, que compartilhou comigo saberes e histórias ancestrais e me ensinou a ver o mundo através do seu olhar.

Meu eterno agradecimento a todas as mulheres da aldeia Kaupüna, ao Stive Mehinako, à Maibe Maroccolo, ao David e ao Guto.

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