Nossa, faz praticamente um mês que escrevi minha primeira carta para vocês! Preciso dizer que fiquei muito, muito feliz com as respostas que recebi, cheias de carinho e vontade de ouvir mais histórias. Eu tive que me conter para não sair escrevendo imediatamente 🙂
 
Há tanto para contar que antecipadamente já peço desculpas se tudo se misturar pelo caminho e você chegar ao final da carta um pouco tonto. É que quando escrevo procuro deixar fluir o que sinto, sem reler ou corrigir, bem natural mesmo.
 
Outro dia me peguei contando como surgiu a ideia da “alma”, o caderninho querido que acompanha as peças da Yankatu e compartilha sua inspiração, as histórias dos artesãos e mantém o caminho aberto para outras histórias que surgirem ao seu redor serem contadas. Pois é, antes mesmo de saber que Yankatu seria o nome da minha marca, já sabia que ela teria alma, muita alma. A minha e a de todos que de alguma forma cruzassem seu caminho.

Tudo começou na minha infância, há muitos atrás. Minha mãe era professora de artes e música, criou a mim e a minha irmã de forma bem lúdica, onde havia tanto espaço para sermos crianças que respeitar os limites era algo natural. Nossa casa tinha três quartos e um deles era chamado “quarto da bagunça”, onde praticamente tudo era permitido (claro que com as devidas considerações!).

O “quarto da bagunça” era um lugar de sonhar e também de realizar, ali brincávamos de fazer comidinha com pó de café, farinha e feijão cru, fazíamos colagens, pinturas com o dedo e escrevíamos e pintávamos os sofás 🙂 Incrível, né? Pensar que podíamos fazer o que quiséssemos com os sofás! Cada uma tinha o seu, para evitar brigas, e ali depositávamos nossos olhares ingênuos descobrindo o mundo.

Como o tempo passa, chegou o dia em que dormir no mesmo quarto que a minha irmã era uma façanha dificílima. Imaginem, eu virginiana extremamente organizada e ela canceriana com emoções que mudam com a lua. Para evitar discussões infindáveis sobre quem fez o que para quem, minha mãe decidiu separar nossos quartos, colocando um fim ao “quarto da bagunça”.

Foi com um certo sentimento de que “estava ficando mocinha” que vi nossos sofás descerem para a garagem onde permaneceriam guardados por mais alguns anos. Eles não estavam mais ali tão próximos, mas ainda estavam ali, pois todo dia ao abrir a porta da garagem eu os via, lia meus escritos, ria dos meus desenhos. De certa forma, era como se eu consultasse a criança que fui toda vez que olhava para ele e isso me fazia muito bem.

Anos se passaram e era chegada a hora de ter mais um carro. A faculdade era longe e o acesso à ônibus em nosso bairro era complicado. Assim, os sofás cederam seu lugar na garagem para uma Variant II e foi com lágrimas nos olhos que eu os vi indo embora, morar em outro lugar, onde ninguém entenderia aqueles lindos rabiscos que um dia eu fiz, onde provavelmente seu tecido seria substituído e se perderia no mundo.

Lembro até hoje desse momento com aperto no coração. Minha vontade era me agarrar ao sofá, puxando dele o tecido, que no meu sonho se desprenderia com facilidade e ficaria comigo, deixando sua estrutura e espuma partirem para um novo lar. Relembrando esse momento eu me vi transformando o tecido num livrinho onde as páginas teriam escritos, desenhos, um pouquinho de mim, que eu poderia mostrar para minha filha para juntas construirmos outras histórias.

No caso da Yankatu essas histórias trazem para mais perto de vocês as minhas inspirações, o que vi e senti ao trabalhar numa determinada região, e também a minha percepção sobre os artesãos com os quais trabalho. A alma torna a peça muito mais que um móvel ou objeto, lhe dá cara e coração, lhe preenche de emoções, desperta o interesse em conhecer um pouco mais sobre aquilo que ela traz consigo.

Acho que a vida é isso, um eterno tecer de histórias!

Eu me propus a tecer minha história junto com a de muitas outras pessoas, compartilhar sonhos e seguir por caminhos ainda não trilhados, pelo menos não através do meu jeito de olhar.

Foi assim que eu fui parar em Muzambinho, para tecer histórias junto com a Mayumi e as artesãs da amaria, que através do tear manual resgatou tanta coisa que daria para escrever um livro. Por sinal, foi isso mesmo que aconteceu, o livro “amaria, design e cooperação” foi lançado em 2018 e vale muito a pena ser lido.

Lá em Muzambinho teci histórias com a Zana Maria também, a história dela virou a exposição Coisas e Não Coisas aqui na galeria Yankatu e daqui foi parar no Senac Moda São Paulo. Diz se não é pra ficar feliz da vida e com ainda mais vontade de continuar?

Bom, como você pode ver, assunto é o que não falta! Se quiser me perguntar alguma coisa sinta-se a vontade e, se estiver aqui por São Paulo, passa no estúdio para tomar um café com a gente!

Com carinho,
Maria Fernanda Paes de Barros