O QUE VEM A SEGUIR?
E agora?
Tenho a tendência de ser sempre positiva, muito positiva, extremamente positiva, rsrsrsrs, falo isso porque por vezes já cheguei a irritar pessoas queridas, principalmente minha irmã, que costuma dizer que tenho síndrome de Pollyana, personagem de um livro que minha mãe me deu quando menina. Pollyana era filha de um pastor, perdeu a mãe muito cedo e vivia uma vida simples onde muitas vezes lhes faltava praticamente tudo, então desde pequena ela aprendeu a jogar o “Jogo do Contente”, que consistia em encontrar o lado bom de tudo o que acontecia.
Acho que esse “jogo” se internalizou em mim de tal forma que a visão do lado positivo é automática! Pois é, essa sou eu e, para ser sincera, adoro ser assim. Procuro me controlar para não me tornar uma chata, mas num momento como o que estamos vivendo acho importante buscarmos o que há de positivo e o que podemos aprender, por mais difícil que seja.
Apesar de termos fronteiras fechadas e voos cancelados não podemos parar de viajar. Uma viagem não significa apenas ir fisicamente para um outro lugar, nós viajamos quando lemos um livro, quando olhamos álbuns de família, quando recordamos momentos da infância, quando sonhamos… sim, essas são diferentes maneiras de viajarmos e muitas vezes estamos mais presentes nesse tipo de viagem do que nas em que vamos para algum lugar e tiramos fotos em pontos turísticos.
Eu acredito que este distanciamento forçado acabará por aproximar todos nós. É só olharmos para os inúmeros vídeos que salpicam na internet de pessoas cantando nas janelas e tocando nas varandas como forma de fortalecerem vínculos e alegrarem os que se encontram mais sozinhos.
Essa pausa obrigatória na vida nos faz perceber que não controlamos o tempo, que ele está muito além de nós, está em um plano paralelo ao nosso, é intocável, e continuará seguindo seu caminho quer a gente queira ou não. Então me pergunto por que corremos tanto? Por que queremos tanto tantas coisas que ficarão por aí quando não mais estivermos por aqui?
Quantas vezes não vimos as pessoas em restaurantes sentadas frente a frente, cada uma mexendo no seu celular? Agora, isoladas em casa, estas mesmas pessoas estão ficando cansadas das telinhas e sentem saudades dos olhos nos olhos, abraços e sorrisos. Acredito que esse seja um dos resultados positivos de tudo o que está e ainda irá acontecer: voltaremos a ser mais humanos e menos robóticos e entenderemos que nossas vidas são interdependentes, sejamos nós chineses, americanos, negros, indígenas, mulheres, idosos, protestantes, reis, presidentes, professores ou indigentes.
Pensar no nosso bem é pensar no bem do outro e vice-versa.
Não sei se já contei, mas em 2018 tive um episódio de amnésia global transitória, resultado de sobrecarga física e emocional. Durante aproximadamente 12 horas esqueci totalmente anos da minha vida, não tinha nem ideia do que significava a Yankatu. Quando me recuperei ficou ainda mais claro para mim que era preciso viver o hoje, o momento em que somos capazes e estamos presentes, pois o clichê “amanhã a gente pode não estar mais aqui” é uma dura realidade.
Agora com o vírus volto ao mesmo lugar, o hoje!
Quantos planos para este semestre viraram cinzas de um dia para ou outro? Exposições importantes em NY, imersões na aldeia no Xingu, viagens para ajudar minha filha a concretizar seus sonhos, tudo mudou… mas o tempo não parou, ele continua passando! Cabe a nós revermos valores, transformar exposições em palestras virtuais, imersões em outras formas de trocar conhecimento, viagens para fora em viagens para dentro de nós.
Vamos reinventar nossas vidas, nossos passos, nossos planos. Vamos sonhar diferente, criar novas possibilidades, improvisar e melhorar! Vamos olhar o mundo por outro ângulo, ajudar que está precisando, nos unir em uma só família, em pensamentos, palavras e ações. É disso tudo que nascerão soluções para vivermos de maneira mais sustentável e equilibrada no futuro, porque sim, o futuro continua existindo. Tudo isso irá passar e nosso comportamento e forma de ver e respeitar o mundo terá evoluído.
Num mundo onde guerras por territórios, crenças, recursos e afins pareciam não ter fim, um ser invisível nos fez enxergar que não há poder maior que o da natureza. Não importa quantas terras conquistemos, quantos povos catequizemos, quantas bocas silenciemos, nossa vida é finita e nada disso seguirá conosco para onde quer que a gente vá. Hoje cada um de nós depende do outro, de alguém em outro país, que nunca vimos, mas que precisa deixar de pensar em si para pensar no todo, para evitar que alguém desapareça.
Bom, não era bem essa carta que imaginei mandar para vocês este mês, mas como escrevo o que sinto, foi ela que nasceu.
Desejo do fundo do coração que estejam todos bem e que fiquem ainda melhores, mais unidos e mais fortes. E se for preciso, aprendam a jogar o jogo do contente 🙂
Com muito carinho,
Maria Fernanda Paes de Barros