ARTESÃOS

MÃOS QUE MANTÊM VIVA A NOSSA IDENTIDADE

PRECISAMOS CONHECER, RESPEITAR, ADMIRAR E VALORIZAR O VERDADEIRO BRASIL.

Aqui apresento para vocês o que considero uma de nossas maiores riquezas: artesãs e artesãos que mantém vivas tradições ancestrais, guardiões de saberes passados de geração em geração, que contam a história destas terras e carregam consigo a exuberância da natureza que recobre este país.

São essas as mãos que mantém a nossa identidade viva e que merecem sentir na alma o valor e o reconhecimento de seu trabalho. As tradições são as raízes que moldam o nosso futuro.

Para nossa sorte são muitos os artesãos e artesãs espalhados pelo nosso país. A ordem de apresentação abaixo segue a cronologia das viagens que fiz, quando tive a honra de conhecer cada um deles e eles passaram a fazer parte da grande “família Yankatu”.

TXAHAMEHÉ PATAXÓ
penas e sementes

Aldeia Barra Velha, Bahia – Brasil

Txahamehé Pataxó nasceu, cresceu e mora ainda hoje com muito orgulho na Aldeia mãe Barra Velha, do Povo Pataxó, no sul da Bahia. Seu nome de registro é Lourrane Araújo de Souza, e eu carinhosamente a chamo de Lou.

Dona de um sorriso meigo, sua timidez esconde uma jovem séria, forte e determinada. Desde os nove anos é artesã, criando peças que unem penas, sementes e pedaços de madeira em composições delicadas e cheias de significado. Aprendeu o ofício com o pai, Aricuri Pataxó, se apaixonou e não parou mais. Hoje ela cuida da barraca da família no vilarejo de Caraíva, onde vende tiaras e adornos para o cabelo feitos com penas, brincos, pulseiras, colares e os animais da fauna local esculpidos em madeira pelo seu pai.

Txahamehé no idioma indígena Patxohâ significa flor do amor, nada mais apropriado para ela, que cria flores belíssimas com penas de galinhas que recolhe pelas terras da aldeia.

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ARASSARI PATAXÓ
sementes, madeiras, casca de árvore

Aldeia Barra Velha, Bahia – Brasil

Em dezembro de 2020 adentrei as terras Pataxós a convite de Arassari Pataxó. A partir desse mergulho em séculos de histórias que se confundem com a história do Brasil, nasceu uma amizade que se fortifica a cada dia. 

Arassari se define como “um guerreiro que luta pelo respeito dos direitos dos povos indígenas no Brasil”. Liderança indígena, representante da etnia pataxó do sul da Bahia – local onde nasceu – Arassari quer abrir os olhos do mundo para a importância de se manter o índio na floresta, na sua terra, mostrando como eles a respeitam e vivem com ela. Para isso ele não mede esforços, se tornou professor, fez curso de oratória e recentemente se formou em direito. Segundo ele “sua vida não lhe pertence, ele vai aonde seu povo estiver precisando dele”.

Os Pataxós são o 9º povo indígena mais populoso do Brasil com aproximadamente 23 mil indivíduos. Eles foram um dos primeiros povos a ter contato com os europeus quando estes desembarcaram nas terras brasileiras, antes conhecidas como Pindorama, Terra das Palmeiras.

Eles mantêm suas tradições e cultura vivas até hoje. Falam o português e o idioma indígena Patxohâ, que significa língua de guerreiro. São um povo da floresta e do litoral e em noites de lua cheia realizam rituais de prosperidade e agradecimento na praia, onde a água do mar ao bater nas pedras produz o som “pa ta xóóó”.

Atualmente eles encontram-se distribuídos por regiões de Mata Atlântica de três estados brasileiros, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Adaptação, resistência, força e determinação são características que os permitiram continuar presentes até os dias de hoje.

Arassari Pataxó. Alma gigante, nos ensina a todo instante a olhar o mundo como filhos da terra e não como seus donos. Sigo com ele aprendendo mais a cada dia.

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KUYAWALU AWETI
buriti, miçangas e fios de algodão com tingimento natural

Aldeia Kaupüna, Território Indígena do Xingu,
Mato Grosso – Brasil

Kuyawalu “Priscila” Aweti é casada com o Stive (Kulikyrda Mehinaku), com quem tem quatro filhos, Kaminapiralu “Letícia” Mehinaku, Talquai “Lucas” Mehinaku, Keyeyeriri “Giovanni” Mehinaku e Kaikairu “Giovana Laís” Mehinaku. A Pri fala muito pouco português, mas seus filhos frequentam a escola da aldeia e estão aprendendo, junto com o Aruak, que é o idioma do povo Mehinaku.

Eles vivem na aldeia Kaupüna, do povo Mehinaku, onde Kuyawalu cuida da família que incluem seus pais, pois conforme a tradição, por ser a filha mais nova é responsabilidade dela cuidar deles durante toda a vida. Nas horas livres ela realiza os trabalhos artesanais tradicionais dos povos do Território Indígena do Xingu, tais como cestos e esteiras feitos com talos de buriti e fios de algodão, colares de caramujos, conchas de rio, cascas de inajá e tucum, e também as belíssimas redes feitas com fios de buriti fiados por ela mesma e por vezes tingidos com açafrão. As tramas feitas com fios de algodão coloridos criam grafismos que muitas vezes observamos também nas pinturas corporais e peças de cerâmica conseguidas através da moitará, que é o sistema de trocas tradicional realizado entre as aldeias do território.

KULIKYRDA MEHINAKU
madeira, urucum, jenipapo e resina de ingá

Aldeia Kaupüna, Território Indígena do Xingu,
Mato Grosso – Brasil

Meu encontro com o povo Mehinaku aconteceu em dezembro de 2019, a convite do Kulykirda ‘Stive’ Mehinaku, após eu tê-lo ajudado a vender e armazenar suas obras de arte em São Paulo. Ele retornou para a aldeia Kaupüna, onde vive, me contando cada passo da sua viagem e desde então nunca mais paramos de nos falar.

Stive, como costumo chama-lo é da etnia Mehinaku e Aweti. Ele é técnico em agroecologia e agente indígena de saúde. Um coração do tamanho do mundo, está sempre rodeado pelas crianças na aldeia, ensinando-os em gestos e palavras as tradições de seu povo. Seu nome, Kulikyrda, significa rosto de curica, uma espécie de papagaio da região amazônica.

É um artista incrível, seus bancos zoomorfos já participaram de diversas exposições no Brasil e no exterior. Ele começou a fazer bancos na adolescência, aos 13 anos, motivado pelo costume de seu povo de produzi-los para uso próprio. A possibilidade de comercialização o fez aprimorar a técnica e hoje a venda dos bancos são sua principal fonte de renda.

O povo Mehinaku encontra-se no Alto Xingu, onde vive de acordo com seus costumes e cultura, agrupando-se em aldeias circulares, vivendo em ocas cobertas por tramas de buriti que costumam abrigar famílias inteiras.

O seu trabalho é diário, tanto nas roças, na caça e na pesca, como na preparação dos alimentos e na confecção de artesanatos. Aos homens cabe a confecção de bancos zoomorfos em madeira, máscaras, remos, arcos e flechas, cocares, brincos e os cestos para carregarem a mandioca, alimento tradicional de seu povo. As mulheres revezam-se nos cuidados com as crianças e com a alimentação e na elaboração de colares e pulseiras com miçanga coloridas, esteiras, redes e cestos que trançam fios de algodão à palha de buriti, palmeira tradicional da região.

O grafismo presente nas pinturas e tessituras é parte importante de suas tradições, adornando seus corpos e suas artes, apresentando diferentes significados. Eles mantêm vivo seu idioma, o Aruak, e são famosos por seus rituais, como Tajuara, Tawarawana e Kuarup, quando se enfeitam com colares, brincos e cocares, pintam os corpos com urucum, jenipapo e carvão, dançam, cantam e tocam flauta em longas comemorações.

COMUNIDADE DE URUCUREÁ
palha de tucumã e tingimento natural

Urucureá, Pará – Brasil

Urucureá é sonho e realidade, o Brasil é puro e duro. É essência. Adentrar suas terras é como entrar em uma outra dimensão.

Lá artesãos, em sua grande maioria mulheres, tecem a palha de tucumã, uma palmeira típica da floresta amazônica. Através de folhas, raízes e frutas como caapiranga, mangarataia, crajiru, jenipapo e urucum, as fibras ganham cor e transbordam a natureza ao seu redor em cestas, mandalas e muito mais, deixando clara a ancestralidade indígena que se estende por gerações.

Lá conheci, aprendi, ouvi e senti pessoas e histórias, assisti e participei de colheitas de palha, processos de tingimento natural e da tessitura da palha, sentada à sombra da mangueira ou andando pelas ruas de terra batida por entre casas de pau a pique e sapé.

Lá Testemunhei sorrisos e sonhos, toquei com minhas próprias mãos as matérias-primas e as mãos das pessoas que as transformam em arte. Cultivei relacionamentos e fiz amigos para toda a vida.

Lá sorrisos e conversas misturam-se ao som de pássaros, guaribas e ao farfalhar da palha.
As crianças entram em contato com o trançado da palha desde cedo, acompanham a colheita das folhas e raízes para o tingimento natural e brincam enquanto assistem suas mães trabalharem com olhares alegres e curiosos.

Urucureá é uma comunidade ribeirinha situada às margens do Rio Arapiuns, afluente do Rio Tapajós. Fica a cerca de duas horas e meia de barco partindo de Santarém ou Alter do Chão, no estado do Pará, região Norte do Brasil.

Não tenho palavras para descrever o carinho e amor que tenho por cada uma das artesãs e artesãos desta comunidade. Eles moram no meu coração e vivo contando os dias para poder voltar para lá.

EXPEDITO JONAS DE JESUS
pedra-sabão

Tiradentes, Minas Gerais – Brasil

Impossível não ser contagiado pelo sorriso e espontaneidade do mestre artesão escultor Expedito Jonas de Jesus. Seu sorriso ilumina, a forma sincera como fala tudo que pensa e sente, encanta. Têm alma de artista e coração gigante! Com sorriso estampado no rosto e gratidão no coração ele escolhe, transporta, carrega e fatia a pedra sabão, para depois, com uma facilidade absurda, dar vida à ela retirando seus excessos e nos presenteando com flores, querubins e pássaros, mulheres voluptuosas, leões e elefantes, como se tivessem estado ali todo o tempo.

Ele fala sobre seu dom com uma naturalidade e humildade sem tamanho. Conta que a beleza de seu trabalho o levou para morar um ano em Portugal quando jovem, convidado por um casal de portugueses que visitavam Tiradentes, MG, a ir ensinar aos artesãos de lá o entalhe na madeira. Por incrível que possa parecer, esta técnica que veio de lá durante a colonização do Brasil estava se perdendo, e foi preciso que ela fosse resgatada pelos artesãos brasileiros.

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“Sou escultor, e gosto de fazer o que eu faço, me sinto realizado. A escultura para mim não é um desafio, é um privilégio. Com 6 anos de idade eu sonhava em ser escultor assistindo meu pai esculpindo – ele era meu ídolo e eu queria ser como ele.

Vendi minha primeira peça aos 7 anos de idade, com 20 fui trabalhar em Portugal, ensinar a arte da talha na madeira por lá durante um ano. Hoje trabalho somente com a pedra sabão.

Quando vejo uma pedra, eu já sei o que ela quer ser, o desenho vai se construindo na minha mente, e quando está pronto, eu começo a tirar os fragmentos da pedra, e ela vai se revelando. Apesar de ser um trabalho duro, o de esculpir a pedra, ele me alivia, porque vou tirando aquela ideia da minha cabeça e isso tem um efeito calmante para mim.

Cada pedra tem uma história e eu quero que elas através das peças também contem suas histórias nas casas das pessoas, e que passem muito tempo naquela família.”

Expedito Jonas de Jesus

WAGNER TRINDADE
latão

Tiradentes, Minas Gerais – Brasil

Wagner Trindade – o Waguinho, aprendeu a arte de fazer luminárias marroquinas com o seu pai, o Muchacha, que por sua vez aprendeu com um português que abriu sua oficina em Tiradentes há muitos anos atrás.

Ele é uma das pessoas mais intensas que já conheci. Intenso no bom sentido, sua ansiedade vem da vontade de aprender e apreender tudo que for possível. Incansável em sua busca para se aprimorar sempre, dedicado em tudo o que faz, batalhador de verdade, extremamente humano, são inúmeras as qualidades que me vem à cabeça quando penso nele, mas uma delas ainda grita mais alto: amigo, com certeza para toda a vida!

Cada vez que o encontro ele está me aguardando cheio de novidades para mostrar, para ouvir opiniões, para trocar, para compartilhar. Impossível entrar e sair rápido da sua oficina ou da sua casa, onde sempre nos recebe para um delicioso café com bolos, sucos e pães de queijo feitos com carinho pela Claudinéia, uma das mulheres mais companheiras que já tive o prazer de conhecer. Quando vamos visitá-lo, seja onde for, é preciso ir com tempo, umas três horas pelo menos, e mesmo assim saímos com a impressão de que ainda há muito mais para conversar, tamanha a empolgação e o desejo de trilhar novos caminhos que ele tem dentro de si.

Sua alegria, dedicação e empenho contagia também seus funcionários na oficina, pois ele ensina ali muito mais que um ofício, ele demonstra em suas atitudes a importância de amar o que faz e de cuidar de verdade da família e dos amigos. Emociona vê-lo contar não apenas a história de seu pai, que lhe ensinou o ofício, mas também dos rapazes que ele trouxe ainda garotos para aprenderem uma profissão e encontrarem um sentido na vida, já que muitas vezes morar no interior não proporciona muitas opções para quem é jovem.

Adentrar o mundo de Wagner Trindade é o mesmo que adentrar sua alma. Sua história está escrita ali. Cada parede, cada molde, cada ferramenta, cada peça acabada ou por acabar trás em si sua força e sua emoção.

LILIA FONSECA
papel crepom

Tiradentes, Minas Gerais – Brasil

Pensa numa pessoa doce, muito, muito doce, esta é a D. Lilia Fonseca. Até para falar ela é meiga, dá vontade de abraçar e não soltar mais.⠀

Dona Lilia é a responsável por resgatar uma antiga tradição da cidade de Tiradentes que estava quase desaparecendo, o ato de se colocar uma cruz nas portas das casas para serem abençoadas na passagem do dia 3 de maio, quando a Igreja Católica relembra e celebra o dia em que Santa Helena encontrou a Santa Cruz de Cristo.

Delicadamente D. Lilia reveste com tiras de papel crepom repicado uma pequena cruz de madeira feita pelo seu marido. Uma peça singela e delicada que chama a atenção de quem passa pela cidade. Seu gesto traz consigo um misto de fé e esperança e o desejo de que Nossa Senhora abençoe à todos nós.⠀

Ela conta que aprendeu a fazer as cruzes ainda menina, com suas avós. Mas só depois de muito tempo resolveu retomar a tradição – quando percebeu que na cidade quase mais ninguém tinha o hábito de enfeitar a casa com as cruzes. Além das cruzes, ela costumava fazer esculturas, como ela mesmo diz: ” Não sei ficar à toa, adoro inventar uma moda”.

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D. Lilia não têm medo de trilhar novos caminhos. Ela desbrava mesmo! Entre abraços, sorrisos, biscoitinhos e cafés criamos terços, luminárias, saias e até cortinas, com o mesmo cuidado e dedicação com que ela faz as cruzes de Tiradentes.

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MARIA CONCEIÇÃO DE PAULA
bordado

Tiradentes, Minas Gerais – Brasil

A mesa posta com pães de queijo, broas e pudins, o aroma de café passado na hora, o som das conversas alegres, as mãos hábeis que bordavam desenhos coloridos sobre os tecidos brancos, foi assim que conheci D. Maria Conceição de Paula, a D. Maria. 

Seu sorriso tímido esconde uma alma forte e determinada, que não se intimida frente ao desconhecido, que arrisca, experimenta, sabe que é errando que a gente aprende e nunca desiste antes de tentar. Seus bordados delicados saíram dos tecidos e foram parar em pedra sabão, vidro e telas de metal, enfeitaram objetos, móveis e luminárias, viraram arte.

Por mais maluca que seja a ideia D. Maria não estranha, ao contrário, ela sorri e fala com seu jeito manso que “a gente tem que experimentar, né?!”

Ela conta que aprendeu a bordar quando criança, aos 9 anos. O interesse pelo bordado veio quando observava que um conjunto de linhas de várias cores criava algo mais, que transmitia um sentimento em cada desenho que enfeitava um pano: “Fio a fio, fui descobrindo como o bordado não é só bordado, mas um emaranhado de linhas que envolve poesia, sentimentos, dúvidas, alegrias, tristezas… vida.”

Extremamente organizada D. Maria coordena com sua fala doce um grupo de mulheres bordadeiras, as Artistas do Bairro. Cuida também da igreja do bairro onde mora e mantém em sua casa um oratório todo decorado sempre pronto para acolher suas orações. E assim ela nos ensina a enfrentar a vida com coragem, determinação e fé. 

Durante a primeira Semana Criativa de Tiradentes em 2017 foi incrível vê-la substituir o tecido, base de seus bordados até então, pela pedra sabão, com um sorriso no rosto e os olhinhos brilhando: “Não via a hora de chegar em casa para experimentar! Sabe que eu gostei de bordar a pedra?”.

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RONDINELLY SANTOS
talha

Tiradentes, Minas Gerais – Brasil

Rondinelly Santos trabalha com arte sacra desde os 14 anos de idade. Aprendeu a profissão com seu pai, quando ele trabalhava em uma empresa e o colocou para ajudar, lixando suas talhas. Ele aproveita para praticar fazendo alguns desenhos. É lindo ouvi-lo dizer: “Isso tomou conta da minha vida, não parei mais.  Amo o que faço e se nascesse de novo queria nascer entalhador de outra vez.”

Dono de um talento incrível que parece transformar a madeira rígida em algo macio. Utilizando goivas e formões cria volutas, gavinhas de folhas de acanto e grinaldas de flores com uma facilidade de nos fazer perder o fôlego. Observá-lo trabalhar é como embarcar numa jornada no tempo, de volta a segunda metade do século XVIII quando o período Rococó, que chegava da Europa, trazia consigo mais luz e leveza e remetia à ideia da alegria de viver, características que transparecem na suavidade e delicadeza com que as mãos de Rondinelly entalham a madeira.

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Com ele aprendi que não há uma quantidade exata de horas para se esculpir uma peça, pois isso depende… se um pássaro resolver pousar ali na janela para cantar não há prazo e sim a sabedoria de parar tudo para escutar a vida cantar! Para ele “entalhar é como comer doce, a gente começa e não consegue parar”! Dá pra resistir? Para mim ele sempre será o Nelinho, uma das pessoas mais apaixonadas pela profissão que conheço. Basta ter um formão e um pedaço de madeira para dar vida aos seus desenhos transformando-os em arte.⠀

Nos conhecemos por meio da Semana Criativa de Tiradentes, em 2017, de lá pra cá criamos peças juntos e também em conjunto com outros designers. Em 2017 criei com ele a bandeja Rococó, em 2018 foi a vez das colheres, criação nossa junto com o designer Sérgio Cabral, e em 2019 nós dois juntos criamos o centro de mesa Rococó que traz consigo peças da Imperial Estanhos.

DEUZANI GOMES DOS SANTOS
cerâmica

Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais – Brasil

Deuzani Gomes dos Santos é uma dessas mulheres especiais, artesã do Vale do Jequitinhonha com uma visão de mundo mais clara do que muitas das pessoas que vivem nas grandes metrópoles.

Ela começou a fazer cerâmica aos 15 anos de idade para ajudar a mãe, dona Isabel. Ela já era ceramista, em sua época era chamada de ‘paneleira’. Além de criar peças em cerâmica utilizando técnicas tradicionais que tiveram origem com as mulheres indígenas, ela vai para roça, cuida da casa, da família, recebe hóspedes através do turismo solidário e ainda escreve poesias que têm uma força e profundidade que tocam a alma.

Dona do abraço apertado mais gostoso que conheci, Deuzani me acolheu em sua casa e em seu coração. Sou fã nº1 de suas poesias que contam histórias sobre o Vale e a vida das mulheres da região. Segundo ela “ser mulher no Vale é ser pedra preciosa entre cascalho bruto.”

Quando eu conheci Deuzani Gomes dos Santos, no Vale do Jequitinhonha em 2016, ela achava que não poderia ser poeta, apesar de ter inúmeros cadernos recheados de poesias que li me emocionando com cada palavra. Aqui deixo registrada uma delas, para que vocês se emocionem também:

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A Mulher, escrita em 01/05/1996 (e ainda tão atual)

“Mulher é mais que se pensa
É arte de Deus, é amor
Mulher é braço forte da nação
É orgulho dos que sabem dar valor
Mulher é a luz do lar
É distribuidora de afeto e calor

Mulher é cheia de harmonia
De segredos que só elas tem
É portadora das mais belas fontes
Que jorram amor como ninguém
Que no decorrer do dia-a-dia
Passa o tempo plantando o bem

Mulher solteira, mulher mãe
Trabalhadora organizada
Que luta pela família
Que ainda é escravizada
Resistente desse vale
Pelas dores carregada

Mulher linda, alma transparente
No seu rosto a esperança
Mulher negra, de alma pura
No trabalho uma fera
Na sociedade poucas vagas
Na política, quem me dera

Quero ver a mulherada
De mãos dadas, uma corrente
Lutando por seus direitos
Mudando passos para pra frente
Ainda chegamos lá
De ver mulher presidente

Se unirmos nossas forças
Com certeza no futuro
Teremos pros nossos filhos
Um pais bem mais seguro
Que a nossa sociedade
Colham frutos bem maduros

Mulher levante a cabeça
Sacode a poeira e vem
Entra na roda com a gente
Você é importante também
Saia da sua tarefa
O tempo não espera ninguém… “

CLAUDIA MONTEIRO PINHEIRO
crochê

Muzambinho, Minas Gerais – Brasil

Sua casa é perfumada pelo aroma de chás e pães recém saídos do forno, a beleza de seu jardim adentra pelas janelas enquanto fios de cores diversas encontram-se em detalhes aonde quer que nosso olhar pouse. Sua serenidade acalma nossa alma.

Claudia Monteiro Pinheiro seguiu seu sonho, alugou um casarão no centro de Muzambinho e sentada entre fios e agulhas aproveita a simplicidade da vida em cada mínimo detalhe.

Quando comentei que teria uma página dedicada aos artesãos no site ela carinhosamente me mandou este doce poema:

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“O tricotar e crochetar da vida . . .

Com os fios de algodão ou de lã natural ao visualizar o desenho de renda imagino a peça e vou tricotando ou desenvolvendo o crochê. Imagens surgem e novas composições dançam em minha imaginação, por isso cada peça é única. Única em sua criação.

Sempre dou preferência aos fios mais naturais, os de lã, aquecem envolvem, os de algodão trazem frescor e cor com sua gama de cores intensas.

Amo o crochê e o tricô. Me ver feliz é ter agulhas dançantes a descrever minha arte através das mãos. Mãos que criam com o coração desenhos que se formam na contagem precisa e matemática dos pontos.

Agradeço àquele que se identifica com o trabalho, é feito com muito carinho.”

Claudia Monteiro Pinheiro

NATURAL FASHION
algodão colorido orgânico

Campina Grande, Paraíba – Brasil

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O uso do algodão colorido no mundo têxtil é o resultado de muitos anos de pesquisa do CNPA e da EMBRAPA, em Campina Grande, Paraíba. Sem sofrer qualquer alteração genética ele já nasce colorido, mas o trabalho de pesquisa conseguiu tornar seu fio mais longo e resistente. Seu cultivo dispensa o uso de fertilizantes químicos, agrotóxicos, tinturas e corantes.

A cooperativa paraibana Coopnatural tem mostrado aos consumidores um novo estilo de se vestir: o ecologicamente correto. Com a marca Natural Fashion, desde 2003, desenvolve e comercializa produtos têxteis de algodão colorido orgânico, com o objetivo de não prejudicar o meio ambiente e ainda oferecer roupas confortáveis e acessíveis ao bolso dos brasileiros. São peças fabricadas em pequenas indústrias do setor têxtil e vestuário, em sua maioria com detalhes em artesanato, feitos por cooperativas e associações, oferecendo novos empregos e aperfeiçoamento técnico. “Um trabalho árduo para incitar o consumo de um produto feito com material que não existia no mercado, um negócio gratificante e com visão de futuro”, ressalta a presidente da cooperativa, Maysa Motta Gadelha, que foi quem me recebeu em Campina Grande e me apresentou os pesquisadores e artesãos da região.

FIO E ARTE
tecelagem artesanal

Campina Grande, Paraíba – Brasil

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A Tecelagem Fio e Arte é uma tecelagem artesanal dedicada à fabricação e ao comércio de produtos têxteis. Fundada em 2013, na cidade de Campina Grande no Estado da Paraíba pelo Sr. José Gleyson Lima Araújo. 

A Tecelagem Fio e Arte tem como atividade principal, a fabricação de redes de descanso de alta qualidade, 100 % algodão, mas além das redes de dormir ela produz tapetes, mantas, jogos americanos e toalhas de mesa, e também confecciona tecidos sob encomenda, fazendo questão de garantir a satisfação dos clientes em cada detalhe.

José Gleyson me recebeu com carinho, me mostrou o funcionamento dos teares, o intrincado desenho matemático que dá origem aos desenhos, os diversos tipos de fios e a forma de fazê-los, como se faz o punho de uma rede e muito mais.

ROSANA MARIA ALVES
fuxicos

Muzambinho, Minas Gerais – Brasil

Zana Maria pensa na frente, no verso e no avesso. Ela é artesã e artista. Mais que isso, ela pesquisa, estuda e também ensina, experimenta novas possibilidades, sonha e nos faz sonhar. É uma pessoa única, em seu estilo, em sua forma de viver e encarar a vida, no acolhimento com que nos recebe em sua casa, na delicadeza do seu trabalho e nas infinitas possibilidades que cria a cada instante. Visita-la é ser transportado para um mundo mágico, onde sonho e realidade coabitam e onde o prazer de viver é uma constante.

A paixão pelo fuxico vem da infância, do carinho da sua mãe ao ensinar para ela e irmã a antiga tradição do fuxico presente na família há mais de 150 anos. Esse amor pode ser sentido nas peças sempre únicas que nascem carregadas de emoção.

Suas peças são criadas fuxico a fuxico, ou como ela costuma dizer, partícula a partícula, como tijolos na construção de uma casa, só que ao invés de cimento ela usa o fio para uni-los e assegurar-se de que ficarão exatamente onde precisam estar. O caminho que o fio faz é pensado de forma a embelezar mesmo aquilo que não se vê.

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Se seus fuxicos fossem transparentes outra obra seria delineada através dos caminhos que seus fios percorrem.

Zana Maria é artista, ela faz pinturas com fuxicos de diferentes cores e formatos, ela constrói e desconstrói, cria e recria. O fuxico através dela ganha outro propósito. Ela não tem medo de errar pois acredita que os erros são acertos, que possibilitam visões diferentes, que são correções dos nossos caminhos. Ela VIVE! E faz viver quem está conectada com ela. Pura energia, pura alegria, puro prazer! Zana Maria é assim, intensa em tudo o que faz. 

Amiga para a vida, profissional como poucos. A Zana é o tipo de pessoa que é preciso conhecer ao vivo.

SANTA EDWIGUES
tecelagem artesanal

Muzambinho, Minas Gerais – Brasil

Entre as montanhas cafeeiras de Minas Gerais, em uma cidadezinha do interior chamada Muzambinho, em 1985 o Frei Francisco trouxe consigo a arte de tecer. A partir do momento em que aprendeu esta profissão, Maria Auxiliadora se descobriu!

Após anos de prática, ela conseguiu abrir sua pequena empresa, a qual deu o nome de Tecelagem Santa Edwiges, por ter grande devoção a Santa. Hoje Maria Auxiliadora e sua família tecem manualmente composições incríveis, utilizando desde fios de algodão finíssimos até o refugo das confecções da cidade vizinha, elaborando produtos artesanais que encantam pela qualidade e delicadeza.

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MARIA SANTA
tingimento natural

Muzambinho, Minas Gerais – Brasil

Foi num curso organizado por Mayumi Ito que Maria encontrou uma verdadeira paixão: o tingimento natural. Com os frutos da sua horta e seu fogão a lenha começou aos poucos, tingindo meadas de fios de algodão e fazendo novelos manualmente, encantando-se cada vez mais pela criação de misturas e efeitos que surgiam.

Com o passar dos anos Maria conseguiu economizar um dinheiro que, complementado com a ajuda do SEBRAE, lhe possibilitou comprar as máquinas que hoje ocupam toda a varanda, na parte de trás da sua casa na roça.

E não para por aí, Maria com sua força e determinação segue experimentando em busca de novas cores. Grãos de café, romã, urucum, pinhão e cascas de cebola vão aos poucos se unindo a outros frutos diferentes em busca de novas possibilidades.

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AMARIA
bordadeiras, crocheteiras, costureiras e muito mais

Muzambinho, Minas Gerais – Brasil

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Amaria é uma confecção que nasceu em 2003 do encontro da designer Mayumi Ito com tecelãs, costureiras, bordadeiras, crocheteiras e artesãs de Muzambinho, sudoeste de Minas Gerais. Resgatando técnicas antigas e aprendendo novas num processo de co-criação nascem as peças da Amaria, desenvolvidas pelas mãos habilidosas das artesãs.  

As peças podem ser tecidas no tear manual com fios que recebem tingimento natural, ter bordados despojados, e técnicas como fita viés, broches e cathedral window, além de rendas como a frivolité e a turca, tudo sob o olhar cuidadoso de Mayumi Ito. O resgate da tradição, a perpetuação de técnica adormecida, o despertar do potencial criativo fazem parte do trabalho diário de Mayumi, que busca orientar as artesãs a trabalharem de forma autoral e deixarem nas peças um pouco das suas histórias. O resultado é único e exclusivo com aumento de autoestima, confiança, superação e reconhecimento do trabalho manual como tesouro cultural.

Fotos abaixo: Mayumi Ito, diretora da Amaria, e à direita, a tecelã dona Durvalina.

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“Em Muzambinho, no passado, havia produção de algodão, artesãos que cardavam, fiavam, tingiam, teciam e costuravam a mão suas roupas, mantas, cortinas e todos os itens da casa. Foi emocionante quando soube desta história, o que motivou minha mudança para esta cidade. Quando me mudei para lá não havia mais esta cadeia produtiva completa, somente algumas pequenas produções em tear, mas eu me perguntava: se houve uma história, por que não rever esta história?” – Mayumi Ito.