A tecelagem é algo que me encanta, então vocês podem imaginar como fiquei boquiaberta ao presenciar in loco o tradicional tear Huni Kuin bem no coração da Floresta Amazônica, na Aldeia Boa Vista – Acre.

Esta arte lá é feita exclusivamente pelas mulheres, que plantam, colhem, fiam e tingem o algodão, e depois o transformam em xales, coletes, saias, vestidos e redes recheados de “Kene”, desenhos que reproduzem os símbolos sagrados da natureza nas tramas do algodão.

Os “Kene” estão presentes também nas pinturas corporais – maravilhosas! – que recobrem rostos, troncos, braços e pernas, evocando proteção e força, dependendo do desenho feito.
É lindo ver as crianças participando atentas, aprendendo enquanto brincam, encantadas com os resultados que as mãos de suas mães, avós e irmãs produzem. Muitas vezes a tarde elas se reuniam e pintavam-se umas as outras, e a nós também, e depois se divertiam tirando fotos e se olhando para ver como ficaram. Momentos inesquecíveis que levarei para o resto da vida.

Durante todos esses processos há sempre uma cantoria ritmada que parece adentrar nosso corpo e nos manter ali, realmente presente. Essas músicas que pedem permissão para colher, plantar, tecer, pintar, são demonstrações incríveis de respeito e sabedoria, é a humildade do ser humano diante da natureza, tão maior e tão mais forte que ele.

A música aliás, é também extremamente presente no dia-a-dia da aldeia. Não houve um dia sequer que eu não acordasse ouvindo-a ao longe, ou fosse dormir embalada pela voz forte que puxava a letra, seguida por um coro suave repetindo os mesmos sons. Nessas horas eu desejava muito conseguir entender cada palavra, cada história que estava sendo contada.
Foi também envolvida por esse som que presenciei o moldar do barro, rolos e rolos sobrepostos que aos poucos iam tomando forma de cuias, panelas, pratos grandes e pequenos. Na cerâmica, como em tudo mais, é preciso ver o tempo como um aliado, que permite que as peças sequem e depois queimem, que permite que a semente germine e depois se transforme em alimento, para o corpo e para o artesanato também.

Antes de serem queimadas as cerâmicas secas são pintadas com uma mistura de barro e cinzas do fogão a lenha que cozinha o alimento ou da fogueira que iluminou a cerimônia da noite anterior.

Eu tive a honra de presenciar a confecção de peças desde o início até a queima, recebendo-as ainda quentes, carregadas de simbolismo e energia. Estas peças estão hoje na minha cozinha que é aberta para sala, ficando acessíveis ao meu olhar até mesmo da varanda. Me emociono sempre que olho para ela, lembro de cada detalhe de seu feitio, das mãos, dos sorrisos e do seu calor.

Pra mim viver é assim, um eterno colecionar de sentimentos que estão presentes em cada pequeno objeto que trazemos para perto de nós. Podemos pensar na nossa história como um tecido feito em tear manual, um pouco a cada dia, criando desenhos únicos que representam quem somos e as marcas que deixamos no mundo.

Com carinho,
Maria Fernanda Paes de Barros