impacto

COLABORANDO PARA UM MUNDO MELHOR

DESIGN E ARTE SÃO FERRAMENTAS DE TRANSFORMAÇÃO.

ELES NÃO APENAS TRANSFORMAM MATERIAIS EM FORMA, FUNÇÃO E BELEZA, ELES TRANSFORMAM VIDAS.

Há muitas formas de se descrever os impactos gerados pela Yankatu. Muitas vezes quando falamos em impacto as pessoas associam a aumento de vendas, esquecem-se que a vida é muito mais do que isso. O impacto não está necessariamente atrelado ao ganho financeiro, ele pode ser emocional, aumentando a auto estima e confiança dos artesãos em si mesmos, mostrando a eles o potencial que têm guardados dentro de si. Ele pode ser cultural, ampliando conhecimentos, abrindo espaços de voz e contribuindo para manutenção de tradições. Ele pode resolver um problema específico, gerando meios para coleta de matérias-primas, ou pode realizar sonhos por meio de uma exposição ou da publicação de um livro.

Toda vez que entramos em contato com o outro nós recebemos um pouco dele e oferecemos um pouco de nós. A vida é um eterno compartilhar de saberes e quando entendemos a importância de cada um para a vida de todos conseguimos construir um mundo melhor. O importante é estarmos sempre abertos para aprender, para enxergar além da superfície, ouvir e experimentar, saber transformar o que temos nas mãos e auxiliar quem em algum momento, ou em todos, compartilha do mesmo caminho que nós.

A minha paixão pelo artesanato brasileiro me possibilita conectar pessoas e trabalhos e facilitar a comunicação entre os artesãos e aqueles que, como eu, se encantam com eles, suas histórias de vida e seus trabalhos artesanais. Sempre pautada por uma relação de respeito e admiração mútuos, sigo meu propósito de contribui para a valorização do artesão e da nossa identidade brasileira.

Design ou arte? Não importa. O que importa é que elas alcancem seu objetivo: comunicar as inúmeras possibilidades que existem de somarmos sem subtrairmos, de compartilharmos sem concorrermos, de sermos um e sermos muitos.

Sei que não posso mudar o mundo, mas não desisto de tentar fazê-lo dentro daquilo que minhas mãos e mente conseguem alcançar. Vamos juntos?

Compartilhando boas novas com o apoio da GARLAND MAGAZINE
jan/2023

A Garland Magazine é uma plataforma para escrita cuidadosa sobre belos objetos feitos hoje em todo o mundo. É através destes objetos que as culturas são feitas, à mão, todos os dias.

Como uma “plataforma”, Garland não publica apenas edições trimestrais. Além da publicação, Loop fornece histórias oportunas entre as edições. Orbit lista os principais eventos, exposições, palestras, passeios, podcasts e prazos. Um louro mensal apresenta um objeto bonito e atencioso feito recentemente em nosso mundo. Também publicamos entrevistas em podcast e hospedamos conversas ao vivo.

Sua jornada é guiada por Knowledge Keepers. As perguntas para cada edição são desenvolvidas por Pathfinders. E os artigos são reunidos por Story Keepers. Ela incentiva a “escrita cuidadosa” que se baseia na experiência. Esta escrita não recicla opiniões recebidas ou bordões, nem “extrai” sentido de seu assunto sem dar algo em troca. A relação do escritor com o sujeito faz parte da história. Os leitores devem saber de onde vêm as histórias.

Ela compartilha a visão de que os “objetos bonitos” são aqueles considerados de valor. Tanto quanto os livros, os objetos dão lugar a histórias que nos são importantes. Por meio desses objetos, podemos viver histórias daquilo que vemos, vestimos, tocamos, ouvimos e cheiramos no dia a dia.

O “mundo mais amplo” vai além do reino “desenvolvido” de espaços formalizados como galerias e universidades. Abriga uma conversa entre diferentes valores, estruturas, tribos e identidades. Fazer parte deste mundo mais amplo abre nossas mentes, assim como olhos, ouvidos, narizes e mãos.

A Garland foi lançada em 2015 como parceira do World Crafts Council – Austrália, uma entidade nacional do World Crafts Council – Ásia-Pacífico. 

Para mim é extremamente significativo poder colaborar com a Garland Magazine, compartilhando e ampliando o alcance de fatos, histórias, pessoas e objetos que contribuem para um mundo mais justo e sustentável.

OMPI
set/2022

Setembro de 2022, eu e o Arassari Pataxó embarcamos em um voo da Air France para Genebra, Suíça, a convite de Paul Sepaniak para participarmos do evento Amazonie Immersive com o apoio da Missão Brasileira junto à ONU, em comemoração aos 200 anos da independência do Brasil e os 100 anos da Semana de Arte Moderna.

Levamos nossas mensagens sobre respeito e valorização para outro continente, atravessando o oceano Atlântico. Nossas vozes foram ouvidas na OMPI – Organização Mundial de Propriedade Intelectual, um lugar que por si só já diz muito, reconhecendo a importância dos saberes e tradições indígenas.

O embaixador Tovar da Silva Nunes, representante do Brasil em Genebra, chefe da missão brasileira na ONU, abriu o evento que contou com a presença de embaixadores de diversos países do mundo, representantes da ONU, UNESCO, instituições de ensino, cultura, saúde entre outras organizações importantes. Sua fala homenageou a herança e contribuição dos povos indígenas brasileiros, reconheceu sua presença anterior a chegada dos europeus no Brasil e celebrou a identidade cultural brasileira e a genuína manifestação contemporânea da arte do Brasil representada pelas obras da Yankatu.

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Minha fala se seguiu a dele e aproveitei para frisar a necessidade de nascer um novo movimento artístico que olhe para dentro, que valorize o nosso próprio país, seus povos, suas tradições e cultura. O Brasil possui uma riqueza cultural e ambiental imensa que precisa ser conhecida, entendida, respeitada e valorizada e a arte é capaz de passar essa mensagem de forma harmoniosa. Precisamos de um movimento que enxergue na potência da arte uma maneira de entendermos a importância de cada um para o bem estar de todos, unindo nossos esforços para o bem maior do planeta.

Em seguida Arassari emociona a todos falando sobre como nossa vida é ligada à da Mãe Natureza e que ao entendermos isso percebemos que nós não podemos ser donos dela, pois somos todos filhos dela e sendo assim somos todos irmãos. Utilizando os apitos confeccionados por seu povo ele leva a floresta para dentro da OMPI inundando-a com os cantos dos pássaros e encerra sua fala cantando em patxohã acompanhado pelo som do maracá.

Enfim, uma noite emocionante cujas mensagens irão reverberar por muito tempo nos corações que a compartilharam conosco.

CONTINUAÇÃO DO PROJETO KULÁ
abr/2022

ARTE – DESIGN – TRADIÇÕES ANCESTRAIS – RECICLAGEM – IMPACTO SOCIAL

O Projeto KULÁ, une tudo isso. Um projeto que busca inserir a presença da cultura indígena na cidade, reafirmando sua importância para a sociedade; que parte da reciclagem do plástico descartado para criar o recipiente para seu descarte; que aproveita a tecnologia para valorizar a tradição; e que abre espaço para repensarmos as relações entre os diferentes povos e culturas.

As primeiras peças, as lixeiras Kulá adornadas pela arte Mehinaku, foram criadas para os espaços públicos, gerando impacto social, visual e sensorial, trazendo significados importantes para o momento atual e demonstrando que tradição e contemporaneidade podem e devem caminhar juntas. Desde abril de 2022 elas podem ser vistas no Parque Linear Bruno Covas, num projeto com curadoria de Marc Pottier para a Farah Service. A cada nova localização o projeto visa viabilizar o trabalho com os diferentes povos indígenas, ampliando a visibilidade de suas culturas e tradições, contribuindo para reflexões acerca das relações entre a arte, o design, a produção artesanal, o espaço público, o patrimônio cultural indígena e a sustentabilidade ambiental, social e econômica.

Além disso, uma vez produzidas em larga escala as peças do projeto KULÁ pretendem gerar autonomia comercial e financeira para as mulheres xinguanas valorizando seus saberes, sem, contudo, interferir em suas tradições, inspirando as futuras gerações.

O plástico que estrutura as lixeiras é confeccionado por meio do processo de recuperação e reaproveitamento de embalagens, tampas de garrafas pet e tubos de pasta de dente, envolvendo
cooperativas e recicladoras na separação e triagem do material. O plástico utilizado é reciclado por pequenas cooperativas visando fortalecer a inclusão social e incentivar o público a refletir sobre pensar o que é lixo e a forma como este deve ser descartado em um sinal de respeito a quem criou e confeccionou a lixeira, quem mantém os espaços públicos, quem compartilha dos espaços com eles, quem trabalha diretamente na coleta do lixo e também com o planeta que todos nós habitamos. Essa união de materiais, formas, movimentos e cores que por vezes se sobrepõem reforça o significado da obra, valorizando ao mesmo tempo a identidade de cada um e a força do conjunto.

Em outubro de 2022 o projeto ganha mais peças, desta vez deixando o espaço público e adentrando as residências nascem bolsas, mesas laterais e de centro, porta trecos e muito mais.

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AMAZONIE IMMERSIVE
abr/2022

A árvore criada em 2020 para o hotel Tivoli Moffarej São Paulo com o intuito de espalhar uma mensagem de união e respeito foi parar na Europa, mais exatamente em Bruxelas, na Bélgica, em abril de 2022.

Ela chamou a atenção do Paul Sepaniak e da Maria Domithila, um casal franco-brasileiro, e tornou-se a imagem escolhida para representar o evento Amazonie Immersive, trazendo a arte como possibilidade de diálogo com a natureza, mostrando o equilíbrio entre a sabedoria ancestral, a natureza e o saber fazer contemporâneo, com o desejo que possamos semear no presente e colher no futuro próximo a consciência de viver em harmonia e de forma ética com todos os seres que habitam esse planeta.

O evento ofereceu momentos de trocas com o cacique Nui Huni Kuin, oportunidades de participar em oficinas culturas e provar sabores autênticos da Amazônia, além de exposições de fotografia, artesanato e mobiliário. Tudo isso feito considerando  uma cadeia produtiva que respeita a natureza e os seres que nela habitam.

Durante o evento tive a honra de ministrar um workshop, compartilhando o que aprendi em minhas vivências nas comunidades e aldeias pelo Brasil. Costumamos pensar que design é a concretização de uma ideia em forma de projetos ou produtos levando em conta as necessidades dos usuários. Aprendemos que um bom design deve ser bonito e funcional. Mas será que é só isso?

O design vai além de transformar matérias-primas em forma, função e beleza. Ele transforma vidas e é esse o grande sentido que deve estar por trás de cada criação. O design transforma a vida de quem irá utilizar o produto, mesmo que nem saiba que o está utilizando, mas ele também transforma a vida das pessoas que estão por trás da sua criação. Daqueles que extraem a matéria-prima e dos que a beneficiam, daqueles que vivem nos locais onde esta matéria-prima se encontra, daqueles que contribuem para a sua criação e produção, daqueles que estão
refletidos em seus processos.

O workshop fez os participantes mergulharem em suas próprias histórias e assim lhes proporcionou empatia pelas histórias dos outros, mostrando que somos sempre o resultado de uma soma e é aí que está a beleza de tudo.

CRÉATEURS DESIGN AWARDS
A mensagem das mulheres da Aldeia Kaupüna para o mundo
mar/2022

“Prezada Maria Fernanda,

A Créateurs Design Association gostaria de convidar você a se tornar um membro oficial.

O Créateurs Design Association and Awards é um programa global que reconhece as realizações de profissionais criativos extraordinários de mais de 32 países diferentes. Nossa organização acredita que seu trabalho e visão impactaram e impulsionaram a indústria do design, e estamos honrados em estender este convite para se tornar um membro.”

Foi com essas palavras que em fevereiro de 2021 recebi um convite inesperado e extremamente gratificante. Fiquei por alguns minutos sem palavras, lendo e relendo o email recebido, como se tentasse ter certeza de que era real e era para mim. Um reconhecimento e tanto por um trabalho ao qual me dedico de corpo e alma (e bolso também!) e que por vezes não é compreendido pelas instituições do meu próprio país.

O Créateurs Design Awards é um programa de premiação peer to peer que nasceu com a intenção de destacar trabalhos extraordinários no campo de design de interiores, design de produto e arquitetura, celebrando as pessoas que impulsionam a visão. Sua missão é reconhecer e defender a excelência na indústria do design para preservar a integridade do design e inspirar as gerações futuras. Os membros votantes do Créateurs Design Awards estão entre um grupo distinto de mais de 200 líderes de design e membros da imprensa internacional, convidados em 32 países diferentes.

Uma honra enorme ter sido convidada principalmente porque isso se dá pelo reconhecimento de um trabalho onde o que me guia é o propósito de mostrar a importância, riqueza e valor das tradições brasileiras e acima de tudo das pessoas por trás de cada uma delas. Um trabalho onde a essência são as vidas que se encontram e compartilham saberes e sorrisos, dores e descobertas, onde cada conquista faz diferença real, mostrando que é possível realizar um trabalho onde respeito e admiração são intrínsecos e por meio do qual conto histórias que não são apenas minhas.

Além de membro ao lado de Oki Sato do Estúdio Nendo, Baba Oladeji, Dieter Vander Velpen e Andrea Trimarchi e Simone Farresin, do Studio FormaFantasma, eu fui também uma das finalistas da premiação. Na votação realizada em 2021 o Balanço Kaupüna foi escolhido um dos 8 produtos do Créateurs Select na categoria BEST COLLABORATION DESIGN, e a Coleção Xingu ficou entre os 4 nominees na categoria BEST DESIGN COLLECTION. Foi extremamente significante para mim ver meu trabalho concorrendo com nomes de peso como Patrícia Urquiola, Lemieux Et Cie, Cristian Mohaded, John Pomp Studios, Louis Vuitton, Molteni&C, Vitra Haus, e muitos mais.

A cerimônia de premiação do Créateurs Design Awards aconteceu em março de 2022 e foi emocionante. Sentada em uma sala do Shangri-lá Hotel em Paris vi meu trabalho e meu nome saltarem na tela ao lado de projetos de tirar o fôlego e profissionais cuja visão movem o mundo e inspiram gerações. Mais emocionante que isso foi ver o vídeo que pedi para o Kulikyrda Mehinaku gravar lá na aldeia Kaupüna ser apresentado para todos que ali estavam e os que acompanhavam de diversos lugares do mundo. No vídeo as mulheres da aldeia falam sobre o seu trabalho, a dificuldade que encontram para executá-lo e a sua importância para a manutenção das tradições de seu povo.

Eu sinto que a coleção Xingu cumpriu sua missão! Ela emocionou as pessoas, ela contou as histórias que a inspiraram, ela abriu espaço para que os povos indígenas tenham maior visibilidade e espaço de voz, ela mostrou que o design verdadeiramente brasileiro que valoriza e respeita suas raízes tem espaço no mercado internacional. Ela ampliou a visão do mundo para o que o design, a arquitetura e a arte são capazes de fazer, que vai muito além da estética e pode ajudar a transformar o mundo.

Uma coleção que nasceu durante 2020 quando a pandemia pegou o mundo inteiro de surpresa. Ela é resultado de uma soma. Uma soma de conhecimentos, dedicação, vidas. Ela nos mostra a importância do passado e a influência do presente na construção de um futuro melhor. Ela é a minha maneira de homenagear os povos indígenas que compartilham comigo seus saberes e me ensinam a ver o mundo através dos seus olhos. Ela é também a minha forma de chamar a atenção do mundo para a necessidade urgente de respeitar os povos indígenas, suas tradições e crenças. De demarcar suas terras e mantê-las protegidas. Nós temos muito a aprender com eles e a Terra irá nos agradecer por isso.

TOTEM MEHINAKU E PATAXÓ
2022

Um dos meus propósitos à frente da Yankatu é abrir portas, conectar, ser ponte. A semente plantada no Encontro de Culturas realizado na Praça Aldopho Bloch, em São Paulo, em agosto de 2021, deu frutos!

A ideia para levar a cultura indígena para o Parque Bruno Covas, em São Paulo, nasceu ali e com muito empenho meu, do curador Marc Pottier e da Farah Service hoje é possível vê-la e acessar um QRCode onde Yahati Mehinako, cacique da aldeia Kaupüna, e Tatuí Pataxó, do povo Pataxó,
levam você para um mergulho nas tradições dos seus povos.

Foram várias mensagens, ideias e desenhos trocados, aqui e lá na aldeia Kaupuna, no Alto Xingu. Uma vez escolhido o desenho criado por Kulikyrda “Stive” Mehinaku, ele foi esculpido a partir de um único tronco de árvore por todos os artistas da aldeia que se revezavam na criação de uma obra única que hoje faz parte do acervo do Parque Linear Bruno Covas.

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A escultura O HOMEM QUE VIROU SUCURI com 3,6m de altura e 80cm de diâmetro representa uma parte importante da mitologia Mehinako. É sobre um  Homem casado que estava sendo traído por sua melhor com um rapaz mais novo, toda  Vez que ela ia sozinha para a roça trabalhar. Um dia o homem chegou na roça e viu os dois namorando, ficou muito triste e voltou para a aldeia sem se deixar notar.

Quando a mulher voltou para a aldeia ele fingiu que não sabia de nada e disse que iria pescar. Na pescaria ele pescou um Matrinxã e colocou dentro dele o ovo de uma cobra que ele encontrou e deu para sua mulher levar para almoçar na roça. Ele esperou um pouco e foi atrás da mulher. Encontrou os dois juntos namorando depois de terem almoçado.

De repente o rapaz se sentiu mal, era o ovo fazendo efeito e transformando ele em cobra. As pernas dele esticaram e tornaram-se o rabo de uma sucuri, conforme o efeito começava a subir pelo seu corpo o rapaz chorou e suas lágrimas tornaram-se sua pintura. Nesse momento o
marido se aproximou e disse para a sucuri que ela não iria matar nenhum ser humano, orientou-a a viver na água e disse que ela se tornaria um remédio para o seu povo e sua banha daria força e coragem aos lutadores Mehinaku.

A Canoa original da etnia Pataxó veio da aldeia Barra Velha que fica no sul da Bahia, dentro do Parque Nacional Monte Pascoal. Com 6m de comprimento a canoa foi esculpida em madeira maciça e cedida para exposição permanente no Parque Linear Bruno Covas. Ela é antiga e foi muito usada nas atividades de pescas, transporte aquático e também nas tradicionais competições de canoagem, possuindo valor simbólico e histórico para o povo Pataxó. Desde março de 2022 ela encontra-se exposta no Parque e dá voz e visibilidade para a cultura, a luta em defesa da Mãe Natureza e os direitos dos povos indígenas. Algum tempo depois compartilhei essa história com Kevin Murray, editor da Garland Magazine e em junho do mesmo ano a revista apresentava para o mundo a matéria intitulada Art protects us and our shared world: Two messages from Indigenous Brazil foi publicada na edição G27 – Estuary: Where fresh and salt waters meet.

“Esta é a história de duas obras culturais indígenas que foram instaladas no Parque Bruno Covas, em São Paulo. Elas são testemunhos da cultura das Primeiras Nações para os olhos dos povos subsequentes que põem em perigo seu mundo.” Assim começa a história publicada na revista, em uma edição que traz como tema central a relação entre os “primeiros e segundos” povos e como esse encontro pode gerar algo novo onde ambas as culturas se somem com respeito e valorização mútuas.

Essas são duas iniciativas em diferentes partes do mundo que ampliam as vozes dos povos indígenas e com os quais eu tive a honra de colaborar fazendo a ponte entre instituições, curadores e editores e os queridos Arassari Pataxó e Kulikyrda Mehinaku.

PASSAGENS E A ARTE DE ARASSARI PATAXÓ
NO CIDADE MATARAZZO
fev/2022

“Passagens” nasceu inspirada na história do Brasil que aprendi ao ouvir, ver e sentir aqueles que estavam aqui muito antes dele nascer, nos seus saberes e tradições, nos seus sorrisos e nas suas lágrimas, na sua força e resiliência, no seu sonho e na sua sua luta por liberdade e respeito.

Minha arte nasceu também da oralidade, uma tradição fundamental para as culturas indígenas. Ao falar eles transmitem muito mais que palavras, eles geram emoções. E são as emoções que cravam lá no fundo da alma e não permitem que sua história seja esquecida. A sabedoria indígena entende nossa passagem pela Terra como uma missão. Eu encontrei a minha missão, entendi a importância de fazer a minha voz presente para o entendimento do meu trabalho e de abrir espaços de voz para aqueles que por muito tempo sentiram-se silenciados.

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Mais uma vez o olhar sensível do curador Marc Pottier me levou a desbravar novos caminhos e em fevereiro de 2022 nasceu “Passagens”, minha primeira exposição individual como artista, na Nós Galeria, em São Paulo. A exposição ofereceu aos espectadores anos de reflexão a partir das obras que se enquadram perfeitamente no século XXI. Nas palavras do Marc “Elas não poderiam ter sido vistas ou compreendidas antes. Talvez sociológica, seu conceito nos faz olhar para o passar do tempo, mas também para a herança indígena.“

Construídas a partir do barro trazido da aldeia Barra Velha, território Pataxó no sul da Bahia, as obras fazem referência a passagens da história que não aprendemos nos livros ou nas escolas, verdades que precisam ser ditas, vistas, sentidas. Elas trazem a força de um povo e para tanto a presença deles era de suma importância. Convidado para pintar uma das paredes da galeria, o líder indígena Arassari Pataxó envolveu a exposição com a simbologia de seu povo expressada pela pintura da jiboia, que significa sabedoria e proteção.

A pintura rendeu a Arassari um convite para pintar mais de 200 metros de paredes no Cidade Matarazzo, na cidade de São Paulo, um megacomplexo que reúne obras de diversos artistas brasileiros e estrangeiros lindamente expostas entre restaurantes, bares, o Rosewood Hotel e muito mais.

PROJETO KULÁ
2021

O projeto foi desenvolvido inicialmente  para fazer parte do equipamento urbano de parques e outros espaços públicos que a organização FARAH SERVICE administra, e se transformou em mais uma peça da YANKATU.

Criadas em plástico reciclado e adornadas pela arte Mehinaku, as lixeiras Kulá geram impacto social, visual e sensorial, trazendo consigo significados importantes para o momento atual e demonstrando que a tradição e a contemporaneidade podem e devem andar juntas.

Os tradicionais colares indígenas feitos com miçangas tiveram suas proporções e materiais revistos para se adequarem a necessidade de permanecerem no tempo e em contato direto com o público, mas a maneira das mulheres xinguanas confeccioná-los, sentadas no chão com uma bacia cheia de miçangas entre as pernas e as mãos segurando uma agulha fina e comprida, em constante movimento, foi mantida.

O projeto Kulá visou contribuir para: a autonomia das mulheres da aldeia Kaupüna, uma vez que será estabelecida uma relação de trabalho direta com elas; a geração de renda por meio da própria tradição; o incentivo aos jovens indígenas, demonstrando que é possível inovar ao mesmo tempo em que as culturas ancestrais são mantidas; sustentabilidade cultural e material; e economia circular propondo um modelo restaurativo e regenerativo no que diz respeito ao plástico reciclado utilizado para produção das peças.

Impacto direto: 28 mulheres da aldeia Kaupüna

Impacto indireto: moradores da aldeia Kaupüna e aldeias vizinhas

ENCONTRO DE CULTURAS
ORGÂNICO
ago/2021

A vida é feita de encontros, de pequenas atitudes que provocam transformações, que tocam a alma , que somam esforços, que compartilham sonhos. É com isso em mente que eu abraço cada oportunidade que tenho para proporcionar espaços de troca e conhecimento.

Após meu aprendizado junto ao povo Pataxó criei duas obras, Passagem e Entre o Céu e a Terra, para a exposição Orgânico, parte da 4ª Circular Arte na Praça Aldopho Bloch, em São Paulo, uma iniciativa da Farah Service com curadoria do querido Marc Pottier. Quando visitei a praça para definir com o Marc os locais onde elas seriam instaladas, acabei saindo de lá com o convite para ter mais uma obra na exposição, o Balanço Kaupüna, feito na Aldeia Kaupüna, no Xingu.

Imaginem minha emoção! Instalar as obras na praça foi um outro passo marcante, pois as obras nos espaços públicos abrem janelas importantes trazendo o mundo da arte para um contato mais direto com as pessoas que circulam pelo local e que talvez não se interessariam por entrar em uma galeria.

Durante a instalação pude conversar com olhares curiosos que me observavam ansiosos por entenderem o que tudo aquilo representava. Como as obras trazem consigo referências aos povos indígenas com os quais convivi, tornam-se meios de comunicação, conectando o público a realidades que por vezes parecem distantes e que na verdade não o são. 

E porque não aproveitar a praça e as obras para trazer a fala e a emoção daqueles que tem muito a nos ensinar? A praça foi palco para um evento que eu tenho muita alegria em ter promovido, o Encontro de Culturas Indígenas que aconteceu em 21 de agosto de 2021. Uma conversa sobre a arte contemporânea, as diferentes culturas indígenas, as obras que nascem desses encontros e o alcance que elas têm num encontro indescritível em sua força, em sua harmonia e em sua mensagem. Um encontro que emocionou a todos e abriu inúmeras portas para dois amigos muitíssimo queridos, Kulikyrda ‘Stive’ Mehinaku, Arassari Pataxó e Kayanaku Mehinaku.

CONVITE COMPARTILHADO
ONDE QUERO DEIXAR MEU REFLEXO?
set/2020

No momento em que recebi o convite do curador Marc Pottier para criar uma obra para a exposição Sentar Ler Escrever, me veio a mente a faixa de floresta queimada pela qual passei ao adentrar o Território Indígena do Xingu a caminho da aldeia Kaupüna. Lembro-me como se fosse hoje de pedir para pararem o carro para que eu pudesse tirar a foto de um tronco caído, enegrecido pelo fogo. Meus olhos eram capturados pela mesma cena todas as vezes que passava por aquele local então resolvi guardar nas lentes da câmera aquela imagem seguindo o pedido do meu coração. Meses depois essa foto serviu de base para o início da criação da obra ‘Onde quero deixar meu reflexo”, apresentada na 3ª Circular Arte na Praça Adolpho Bloch, uma
iniciativa da Farah Service.

Para chegar na aldeia foram dois dias intensos de viagem. Um por ar e outro por terra, uma terra feita de plantações de soja que se estendem até a divisa com o território indígena, onde a floresta se ergue lutando por sua vida e abrigando povos de diferentes etnias, entre elas o povo Mehinaku, com quem tive o privilégio de conviver.

O aprendizado desses dias na aldeia foi enorme, mesmo que ninguém se apercebesse que havia algo sendo ensinado. Compartilhar é algo intrínseco aos povos indígenas, então porque não colocar em prática o que aprendi e compartilhar o convite que recebi com eles? Não titubeei, conversei com o Kulikyrda Mehinaku e estendi à ele o convite que recebi do Marc Pottier para compormos uma obra a quatro mãos.

A obra evoca a urgência em olhar para a floresta. Ela propõe ao público uma oportunidade de reflexão, uma pausa no tempo, o “sentar” como momento de interiorização para que percebamos nossa força, possamos enxergar todos os sinais, ler cada detalhe e escrever a história que queremos deixar como herança.

A instalação consiste em duas partes de uma mesma árvore que representam realidades distintas: a natureza queimada pela ação inconsequente do homem e a escultura de tamanduá produzida por Kulikyrda, inspirada nos bancos zoomorfos que são uma tradição do seu povo.

Um espelho colocado entre as partes reflete o usuário sobre o banco. A posição do sujeito diante da totalidade da obra recortada (como que interrompida) e amparada pelo espelho, dá a oportunidade desse mesmo sujeito pensar que foi dividido diante da cena: Onde eu me encaixo? Qual a herança que eu quero deixar?

A logística da produção não foi simples pois, para fazer sentido, o tronco precisaria vir do Xingu, trazendo consigo a energia da floresta e de seus habitantes. Aguardei ansiosamente a chegada dele e do tamanduá sem rabo esculpido pelo Kulikyrda no estúdio, que na época ainda era em São Paulo. Lá, no espaço comum da vila que abrigava a pequena casinha onde minhas criações nasciam, empunhei um pequeno maçarico para infringir ao tronco a angústia da floresta em chamas. Me senti dividida, como se fosse eu a atear fogo nas matas do meu país ao mesmo tempo que sentia em mim a dor da natureza a arder.

Kulikyrda e eu, Xingu e São Paulo, tradição indígena e olhar contemporâneo.

O propósito da Yankatu é mostrar a beleza e importância das tradições brasileiras, provar que é possível desenvolver trabalhos que integrem e respeitem, dividir o espaço que alcanço para que também os artesãos artistas desta terra possam falar, contar suas histórias, emocionar.

Ao longo de 10 meses, parte deles de isolamento social, eu, o Kulikyrda Mehinaku e a Aldeia Kaupüna driblamos os obstáculos e desse compartilhamento de saberes e admiração nasceram obras de arte e peças de mobiliário. Resultados de somas que não subtraem as partes e mantém vivas as tradições, reforçando nossa identidade brasileira.

A distância é subjetiva. O que acontece com um reflete no outro, sempre. Cabe a nós decidir o reflexo que queremos deixar.

COLEÇÃO XINGU
2020

É preciso enxergar, respeitar, admirar e valorizar o verdadeiro Brasil. Não são apenas línguas e cores diversas, são histórias, costumes, experiências, dores e alegrias, gravadas nos ossos, escritas
na pele, correndo pelo sangue. É preciso despir a alma de todos os preconceitos, receber todos os estímulos, desconstruir para poder reconstruir com novo significado, somando o antes e o depois, o nosso e o do outro.

É difícil traduzir a sensação que senti ao adentrar a aldeia Kaupüna, no Território Indígena do Xingu, no Mato Grosso, em dezembro de 2019. Um descampado de chão de terra batido circundado por diversas ocas, envolto pela floresta. Todos me aguardavam no centro, num misto de expectativa e estranhamento. Foi como se eu adentrasse um sonho, um filme que nunca havia assistido, uma fotografia que nunca havia visto, ao mesmo tempo uma terra sagrada onde eu me senti em casa, como se sempre tivesse feito parte dali.

Recebi o convite do Kulikyrda Mehinako, o Stive, que é o nome que ele usa para facilitar o contato conosco. Ajudei-o com suas artes quando passou por São Paulo e ao final da sua viagem ele me convidou para visitar sua aldeia. Convite irrecusável que acabou por inspirar a coleção Xingu, que abriu muitas portas e acredito que continuará a abrir.

A ideia era voltar para a aldeia em abril de 2020 para trabalhar com as mulheres, mas a pandemia nos pegou de surpresa e não foi possível ir até lá. Voltar atrás com a minha palavra e frustrá-las antes mesmo de criar laços fortes não era uma opção. Eu e o Stive então nos desdobramos em vídeos, mensagens, fotos e áudios para podermos seguir adiante. Detalhe, não havia sinal de
telefone ou internet na aldeia na época e ele precisava ir até uma fazenda onde o proprietário compartilhava o sinal para poder receber e enviar as mensagens.

Entre os vídeos enviados recebi das mulheres aulas sobre como tecer uma esteira tradicional usando talos de buriti e fios de algodão. As aulas foram remuneradas e com o dinheiro recebido elas decidiram comprar alimentos para se manterem protegidas com suas famílias na aldeia o máximo de tempo possível.

Quando estive na aldeia verifiquei com o Stive quais eram suas maiores necessidades. Dentre elas estava a compra de um barco e um motor para que as mulheres pudessem adentrar o rio para extrair buriti, que é a base de seus artesanatos, sem que precisassem pedir um barco emprestado ou usar a canoa tradicional e o remo. A partir do lançamento da coleção busquei arrecadar, por meio da venda das peças e de colaborações, o valor necessário para concretizar este sonho e em novembro de 2021 finalmente o barco e o motor chegaram na aldeia!

Hoje as mulheres são independentes na extração da sua principal matéria-prima, o que lhes proporciona autonomia, mais rapidez na coleta que gera aumento de produtividade e, para além disso, fortalece a autoestima, pois demonstra a importância que elas e seus trabalhos têm.

CAMPANHA ARTESÃOS DO BRASIL
2020

Essa campanha teve como objetivo ajudar e colaborar com diversos artesãos do país no início da pandemia, um momento de dificuldade, já que a sobrevivência das comunidades depende basicamente da venda de seu artesanato e do turismo. Com cidades, vilas e comunidades praticamente fechadas para combater a propagação do Coronavírus, a renda desapareceu e o dia a dia ficou ainda mais difícil. Por isso, surgiu a ideia de difundir o amor e a arte, permitindo aos artesãos vender e garantir de alguma forma uma pequena renda nesse período. Criamos uma campanha de crowdfunding com diferentes valores de embalagens e artes variadas dos artesãos. O comprador pôde escolher sua embalagem e com qual artesão gostaria de colaborar e seu artesão produziria sua arte e a enviaria ao comprador. Com este projeto, atingimos o valor de R$ 10.000 em vendas, todas direcionadas aos artesãos!

A PARTIR DA COLEÇÃO ALMA-RAÍZ
2019

Em um país tão rico em técnicas ancestrais de cestaria surpreende o seu pouco aproveitamento para o mobiliário. Não por falta de termos peças que tragam a palha em assentos, encostos e detalhes, mas talvez por falta de olharmos para nossa origem brasileira.

A palha de tucumã trançada pelas artesãs da comunidade ribeirinha de Urucureá é linda e resistente. Ela aceita o tingimento natural e abraça diversas cores de tonalidades intensas que possibilitam às artesãs criarem desenhos que emanam a essência da Floresta Amazônica.

Alma-Raiz é uma coleção que relembra o passado enquanto reforça o presente, mostrando o quanto nós brasileiros somos plurais e que caminhar pelos diferentes universos de nossa cultura é um grande privilégio.

Ao longo de um ano e quatro imersões com os artesãos da comunidade ribeirinha de Urucureá, no oeste do Pará, resgatei sentimentos, incentivei a experimentação, propus a liberdade criativa sem o medo de errar, inseri novos materiais como madeira e o arame de cobre, e novas técnicas como o tricô, mas acima de tudo mostrei o valor e a importância deles para o artesanato brasileiro. Acredito que essa troca de ideias é a grande riqueza que deixo com eles. Um novo olhar sobre o que já existe, revivendo as razões pelas quais trançamos a palha e pintamos o mundo com cores que refletem um pouco da história do Brasil.

Pouco tempo depois foi possível perceber que a semente desta liberdade criativa começou a criar raízes e a se espalhar pela região. Não apenas os artesãos de Urucureá começaram a desenvolver peças com desenhos diversos, estruturadas ou não com a madeira, mas ao navegar pelo rio Arapiuns e atracar em outras comunidades, encontramos a estrutura de madeira perfurada presente em peças com diferentes técnicas de trançado.

Essa inovação abre novos mercados, amplia perspectivas e mostra que para isso não é preciso abrir mão da tradição, ao contrário, é possível usar a inovação para reforçar nossas origens e nos fazendo ter cada vez mais orgulho de sermos brasileiros.

Lançada em 2019, a coleção Alma-Raiz não parou por mais. Ela deu origem a série Carimbó, que uniu as artesãs de Urucureá à Deuzani, lá no Vale do Jequitinhonha, e a série Permita-se, que propôs um exercício de criação bem como o nome sugere. Em setembro de 2021 voltei para a comunidade levando um novo material, o vidro, e elas vestiram e desvestiram vasos com suas criações.

A coleção Alma-Raiz voou longe! Ela e as séries que dela derivaram ganharam o mundo participando da exposição Empreendedorismo Social, Identidade e Saber Local em Genebra em 2020, da exposição The Chair – form, function, fascination em Nova Iorque, em 2021, e do evento Amazonia Imersiva na Bélgica, em 2022. Foram também apresentadas virtualmente em palestras e talks que incluíram a Iran Craft Week e hoje fazem parte da coleção de peças com identidade
brasileira que embelezam o hotel seis estrelas Rosewood São Paulo.

Por onde quer que suas peças passem, elas levam consigo a beleza da união entre o design contemporâneo e a tradição artesanal, e mostram algumas das inúmeras possibilidades de trabalharmos um material bem brasileiro, sustentável, que gera renda para comunidades e promove a manutenção das nossas tradições culturais.

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EXPOSIÇÃO KWASAWÁ
2019

Akwawa kwasawa usému se suí – Sei que o conhecimento saiu de mim.

Conhecimento é algo adquirido que passa a fazer parte de nós. Está impresso em nossos ossos, depositado ali ao longo do tempo, de existências passadas e novas experiências, somadas, sentidas, transformadas em algo único, que habita o nosso ser.

Despertar para a existência deste conhecimento e a importância da ancestralidade em nossa vida foi a proposta feita às artesãs da comunidade de Urucureá, no oeste do Pará, quando apresentadas à cerâmica Borari, e mais tarde foi a proposta feita ao público através da exposição Duas Crônicas, no Museu A Casa, em São Paulo, ao lado do fotografo autoral Marcelo Oséas.

Quando conheci a comunidade de Urucureá, no Pará, senti falta de acessar nos artesãos as histórias sobre seu passado, de onde vem a técnica de trançado que eles utilizam com tanta destreza, os saberes sobre o uso da palha, seu secar, seu tingir. A identidade indígena é forte não apenas no trançado, mas nos desenhos que lhe dão vida, mas em nenhum momento ouvi de
alguém alguma leve indicação sobre isso. 

Resolvi pesquisar mais afundo o assunto, uma vez que as informações na comunidade estavam distantes de me saciar. Há pouco material a respeito, mas em teses pude constatar que há tempos houve uma divisão de terras na região e o fato de ser identificado como indígena ou povo tradicional ribeirinho dava diferentes direitos à população local. Entendi que nessa época uma escolha foi feita e um passado rompido em busca de um futuro melhor. A partir deste ponto busquei referências de artesanatos indígenas da região que também estavam desaparecendo e encontrei a cerâmica Borari, etnia que habitava Alter do Chão na época do descobrimento e que hoje encontra-se espalhada pela vila, sem aldeia, pajé ou cacique.

Adquiri peças de cerâmica de duas diferentes gerações, D. Agostinha, já idosa e detentora da técnica tradicional, e Vândria, jovem estudante de direito que buscou através da cerâmica valorizar seu povo. Munida com estas peças atravessei novamente o rio Tapajós e adentrei Urucureá para propor aos artesãos um desafio: reler a cerâmica através da palha prestando homenagem aos primeiros habitantes destas terras.

Contei à eles sobre a etnia Borari e sua cerâmica, falei sobre a importância das nossas origens, de saber de onde viemos, resgatei o sentimento de pertencimento e sugeri reverenciarmos nossos antepassados e agradecermos pelo conhecimento recebido, numa oportunidade de revisitarmos a história para contá-la de outra forma, mas com a mesma veracidade, somando a ela o conhecimento que está dentro de nós. Afinal, somos todos elos de uma mesma vida que se desfaz para se refazer, moldada e trançada através do tempo. 

EXPOSIÇÃO COISAS E NÃO COISAS + FUXICANDO TÉCNICAS, FAZENDO ARTE
2019

Zana Maria e o Senac Moda | SP

Admiração, respeito, transparência;
Arte, artesanato, alma;
Simplicidade repleta de sofisticação.
Conhecer Zana Maria foi um presente que ganhei em 2014 e que cultivo com muito amor.

Conheci Rosana Maria Alves em setembro de 2014, em Muzambinho, Minas Gerais, e desde então fazemos parte uma da vida da outra. A coleção Ipê foi o início desta linda relação, lançada em outubro de 2015 na Galeria D, em São Paulo, fez parte da exposição Fio da Meada, no mês seguinte, no A Casa – museu do objeto brasileiro, também em SP.

Zana Maria é artista e o fuxico através dela ganha outro propósito: desconstruir nosso olhar e mostrar que nem tudo precisa ter um nome, uma razão, uma função, e que sim, há “não coisas” que podem existir apenas para nos encantar. Aliás, devem, pois o que seria da vida sem este respiro para alma? Ela cria, recria e transforma fuxicos em peças carregadas de emoção.

No decorrer dos anos apresentei seu trabalho por onde passei e, assim que tive a oportunidade, transformei sua história em uma exposição, Coisas e Não Coisas, em novembro de 2018, no estúdio da Yankatu quando ele ainda era em uma singela casinha de vila, em São Paulo.

Coisas e não Coisas foi uma exposição que apresentava não apenas o trabalho da artista Zana Maria Alves, mas principalmente sua pesquisa do fuxico enquanto partícula, com sua forma, textura e acabamento levados ao limite.

O sucesso foi tanto que ela foi convidada para fazer a exposição Fuxicando Técnicas Fazendo Arte no Senac São Paulo, em maio de 2019, apresentando seu trabalho em uma das mais importantes instituições brasileiras, retratando de forma ordenada os 20 anos de pesquisa e construção de técnicas têxteis com o milenar FUXICO, implementadas por ela e diversas mulheres que ela ajudou a treinar em Muzambinho, MG. Nessa oportunidade ela participou de uma entrevista e também ministrou uma aula para os alunos de moda da instituição.

EXPOSIÇÃO ARTESÃOS, OURO QUE AFLORA PELAS MÃOS
2018

Um convite para participar da Semana Criativa de Tiradentes colocou no meu caminho, em julho de 2017, os artesãos Rondinelly Santos, Expedito Jonas de Jesus, Wagner Trindade, Maria Conceição de Paula e Lilia Fonseca. Juntos com os outros designers convidados desenvolvemos peças apresentadas durante o evento realizado em outubro do mesmo ano. Como o tempo juntos foi pouco precisei retornar ainda em dezembro do mesmo ano para escrever uma outra história: a coleção Artesãos, o ouro que aflora pelas mãos.

A coleção foi lançada em junho de 2018 em São Paulo e em outubro ela transformou-se na exposição Artesãos, o ouro que aflora pelas mãos, que apresentava as peças da coleção ao lado dos belos registros da minha relação com os artesãos captados pelo olhar sensível do fotógrafo Marcelo Oséas, num espaço belíssimo, em Tiradentes, Minas Gerais, durante a edição da Semana Criativa.

Sem palavras para descrever a emoção que vivi ao levar para perto da D. Lilia, da D. Maria, do Nelinho, do Expedito e do Waguinho as peças criadas com eles e inspiradas em tudo aquilo que eles representam para mim. Vê-los lado a lado com as obras realizando a ousadia das criações que sonhamos juntos foi inesquecível! Juntos apresentamos uma nova forma de olhar e abordar o trabalho artesanal, valorizando cada detalhe e rompendo os limites pré-estabelecidos.

Emocionante foi também poder montar a exposição e trazer o Expedito e o Nelinho para um bate-papo no estúdio da Yankatu, quando ele ainda era em uma charmosa casinha de vila em SP e levá-los para passear pelas diferentes exposições de arte que aconteciam pela cidade, não consigo tirar o sorriso do rosto até hoje quando lembro dos seus olhares passeando pelos ambientes da Pinacoteca, querendo absorver cada detalhe que conseguiam enxergar.

Durante a expo no estúdio o designer Eduardo Borém pode conhecer os dois e logo depois seu coração o levou para Tiradentes, desenvolvendo com ambos a coleção Torre de Marfim e levando o trabalho destes dois mestres para Milão em abril de 2020, durante o Salão do Móvel de Milão, um dos principais eventos do segmento de mobiliário e design do mundo. Ali no estúdio também eles conheceram a Camila, idealizadora do e-commerce Imaterial Artesanato Brasileiro, onde as peças entalhadas por Rondinelly passaram a ser vendidas.

LIVRO DEUZANI, A POETA DO VALE
2018

Quando eu conheci a Deuzani, no Vale do Jequitinhonha em 2016, ela achava que não poderia ser poeta, apesar de ter inúmeros cadernos recheados de poesias. Não resisti, em 2017 enquanto estava hospedada em sua casa, fotografei cada página, cada cantinho em que palavras formavam frases e me transportavam para outro lugar. Trouxe tudo para São Paulo comigo sem saber ao certo o que fazer.

Tempos depois conheci o Marcelo Oséas e juntos os dois malucos resolveram editar um livro. Aproveitamos uma vinda da Deuzani para São Paulo em agosto de 2018 e corremos feito doidos para dar tempo. A partir das fotografias que tinha feito, transcrevi todas as palavras da Deuzani para o Word enquanto o Marcelo fotografava as peças cerâmicas feitas por ela para criar uma capa com a delicadeza e verdade necessárias. Depois foram mais alguns dias tentando fazer tudo caber nas 80 páginas a que tínhamos direito, afinal nós não conseguíamos subtrair nenhuma das poesias e histórias contadas por essa mulher fenomenal que é “artesã, mãe e esposa, lavradora e poeta, que vai à igreja aos domingos, chora, canta, vai em festa, que não desespera com a vida pois uma esperança lhe resta”! 

Abaixo um gostinho do livro com a poesia A Mulher, escrita em 01/05/1996 e como vocês irão ver, ainda tão atual:

Mulher é mais que se pensa
É arte de Deus, é amor
Mulher é braço forte da nação
É orgulho dos que sabem dar valor
Mulher é a luz do lar
É distribuidora de afeto e calor

Mulher é cheia de harmonia
De segredos que só elas tem
É portadora das mais belas fontes
Que jorram amor como ninguém
Que no decorrer do dia-a-dia
Passa o tempo plantando o bem

Mulher solteira, mulher mãe
Trabalhadora organizada
Que luta pela família
Que ainda é escravizada
Resistente desse vale
Pelas dores carregada

Mulher linda, alma transparente
No seu rosto a esperança
Mulher negra, de alma pura
No trabalho uma fera
Na sociedade poucas vagas
Na política, quem me dera

Quero ver a mulherada
De mãos dadas, uma corrente
Lutando por seus direitos
Mudando passos para pra frente
Ainda chegamos lá
De ver mulher presidente

Se unirmos nossas forças
Com certeza no futuro
Teremos pros nossos filhos
Um pais bem mais seguro
Que a nossa sociedade
Colham frutos bem maduros

Mulher levante a cabeça
Sacode a poeira e vem
Entra na roda com a gente
Você é importante também
Saia da sua tarefa
O tempo não espera ninguém…

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EXPOSIÇÃO MOLDAR MUDAR, A VIDA MOLDADA NO BARRO DA ALMA
2017

Deuzani Gomes dos Santos é mulher, mãe, artesã e poeta. É força e sentimento. Nos conhecemos em julho de 2016 e em janeiro de 2017 tive a honra de me hospedar em sua casa durante uma semana, conhecendo de perto a vida no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. Ali tive uma percepção diferente sobre o tempo, um tempo outro que não o do relógio, um tempo em sintonia com a natureza e a vida. Ali nasceu a coleção Registros do Tempo e mais uma vez uma viagem inspirou uma exposição.

As mulheres do Vale moldam seus sonhos no barro e assim moldam suas vidas e escrevem suas histórias. Elas se entregam a ele no ritmo de cada batida do socador, nos movimentos suaves com que unem seu pó à água e depois o colorem com cores suaves que partem dele também. Costumávamos ouvir falar do Vale sempre como um lugar árido, com baixa renda e inúmeras dificuldades, mas o que vimos lá foi outra coisa. Encontramos mulheres fortes e sonhadoras que por meio da cerâmica driblavam as incertezas da vida e criavam seus filhos com muito amor. Foi munidas da vontade de contar uma história diferente sobre o Vale do Jequitinhonha que eu, a
Maria Helena Emediato, a Mari Dabbur e a Marina Dias nos unimos outra vez, agora contando também com a Aline Victor e novamente batemos à porta do museu A Casa com uma apresentação e um sonho debaixo do braço.

A exposição Moldar Mudar, a vida moldada no barro da alma, apresentou todo o processo de confecção da cerâmica, com direito a um mini socador e um mini forno, criados pela Deuzani, que veio do Vale trazendo consigo suas cores, os sabugos de milhos e penas usados para pintar, as peças em suas diferentes etapas de construção. Mostramos todos os processos, desde a argila convertida em pó e até transformação dos pigmentos naturais por meio do calor do forno. Nós queríamos que o público entendesse o trabalho e o tempo envolvidos na concepção de cada flor, de cada conta, de cada peça, e também vislumbrassem todas as suas possibilidades por meio das peças que criamos.

A abertura contou com a Deuzani declamando algumas de suas poesias e também com o lançamento de uma mesa criada por ela mesma! Emoção que o tempo jamais conseguirá apagar.

Alguns meses depois recebi o convite de uma curadoria de Hong Kong, a Design Pier, para levar parte da coleção Registros do Tempo para a exposição Unknown Territories em Nova Iorque. Eles buscavam designers que conseguissem traduzir a cultura do seu país por meio de suas obras e lá fui eu falar da riqueza do Vale do Jequitinhonha nos Estados Unidos.

EXPOSIÇÃO FIO DA MEADA
2015/2016

A exposição Fio da Meada abriu no dia 11 de novembro de 2015, no Museu A CASA, em São Paulo. Resultado da vontade de quatro designers que queriam fazer algo para retribuir o carinho que receberam das artesãs que conheceram em Muzambinho, Minas Gerais.

A exposição contou com diferentes peças de mobiliário que tinham como objetivo mostrar as inúmeras possibilidades de olharmos e trabalharmos com o artesanato brasileiro. Eu, a Mari Dabbur, a Maria Helena Emediato e a Marina Dias queríamos mostrar para as artesãs a beleza de seus trabalhos por uma perspectiva nova, ampliando os olhares delas para as possibilidades. Apresentar as meadas de fios de algodão tingidos pela Maria Santa, os tecidos em tear manual da tecelagem Santa Edwiges, a renda frivolité da D. Durvalina, o centro de mesa em crochê da Cláudia, os fuxicos da Zana Maria em um museu que valorizava suas tradições artesanais era também uma forma de mostrar a elas o valor de seus trabalhos.

Foi lindo perceber o olhar “elas são meio doidinhas” delas para nós conforme falávamos empolgadas sobre as ideias que tínhamos em mente, transformar-se em um misto de surpresa, orgulho e alegria no dia em que algumas delas, acompanhadas pela Mayumi Ito, vieram para São Paulo ver a exposição. Naquele momento elas enxergaram que sim, era possível interpretar suas peças de diferentes maneiras, respeitando a elas e as tradições que tão dedicadamente mantinham vivas. Até hoje não sei quem estava mais emocionada, elas, eu ou as meninas, acredito que todas nós, com os olhos marejados realizamos naquele momento a força e importância que nossos trabalhos tinham.

Emocionante também foi ver a reação do público que parecia não acreditar que a toalhinha da vovó havia virado uma linda mesa lateral, que fuxicos de tamanhos diversos traziam uma iluminação acolhedora para o ambiente, que podemos bordar nossa própria história.

Deixo aqui meu agradecimento para a Mayumi Ito, que foi quem nos levou para conhecer Muzambinho e suas artesãs, para a Renata Mellão, que abriu as portas do museu para receber a exposição de quatro designers que nunca tinham feito uma expo antes, e para minhas queridas amigas e designers Mari, Lena e Marina, por sonharem e realizarem junto comigo.