Uma história não tem data certa para iniciar. A gente acha que sim, que tal dia foi o dia em que tal coisa começou, mas, será mesmo? Será que aquela viagem que teve início no dia 10 não tinha começado a “ser viajada” muito tempo antes? Será que aquilo que conquistamos hoje não fazia parte de um sonho por vezes considerado inatingível?

Eu não tenho ideia de por que iniciei essa carta escrevendo isso. Talvez para fugir do tema que eu realmente preciso abordar. Talvez pela dificuldade em abrir mão de algo que me parece estar separado, mas que na verdade é parte integrante de mim. Talvez por precisar colocar meu rosto e meu nome à frente de tudo, depois de perceber que eles já estão lá há desde sempre.

Descobri que sou uma mulher sem fronteiras. Sem limites, sem bordas, sem molduras. Carrego comigo minha essência, meus valores, meu propósito. Levo também o que aprendi com a vida, com o passar do tempo, com as atitudes e palavras dos meus pais, com a herança que meus antepassados deixaram registrada em meu sangue, meus ossos, meu espírito.

Em 2014, quando a Yankatu começava a tomar forma, lembro claramente que não queria colocar o meu nome em evidência. Queria que meu trabalho se tornasse conhecido e não eu. Tinha certeza que minha vida, dali para frente, estaria sempre ligada à dos artesãos brasileiros e que as histórias que compartilharia, através das peças que criasse, contariam histórias que não seriam apenas minhas. A palavra YANKATU, com toda sua força e significado, entrou na minha vida nessa época, quando eu passeava pelo Museu Xingu, buscando algo que ainda não sabia ao certo o que seria.

De lá para cá a Yankatu cresceu, tomou forma, ganhou força. Atravessou as portas que se abriram, olhou pelas janelas, descobriu novos horizontes, sem nunca perder o foco na sua essência, naquilo que lhe confere identidade, e que na verdade, são a minha essência e identidade também. Aos poucos percebi que para que as pessoas pudessem “sentir” a alma das peças, eu precisava falar sobre elas. Para passar as emoções que eu sentia, precisava mostrar minha cara, enfrentar a timidez e falar com o coração.

Cinco anos se passaram e em 2019 eu me encontrei novamente com o Xingu. Desta vez o Xingu vivo. Foram novos passos no meu caminhar. Passos esses que me permitiram sonhar ainda mais alto e voar ainda mais leve. Hoje sei que a obra Onde eu quero deixar meu reflexo? criada em 2020 para a exposição Sentar Ler Escrever, resume um pouco de mim. Da minha conexão com a natureza e a cultura indígena, do meu propósito enquanto ser humano que habita este planeta. Por meio dela eu adentrei o universo da arte, um universo amplo, onde a cada momento descubro que posso ir ainda mais além. Além na forma de contar histórias, de emocionar as pessoas, de plantar sementes e provocar mudanças.

Foi nesse momento, que não tem uma data exata, que entendi que esse tempo todo a Yankatu sempre fui eu. Que eu não sou a “Maria Fernanda da Yankatu” e sim que a Yankatu é parte de mim. Minha criação, minha idealização e parte muita importante da minha vida. E que a minha vida tem muitas partes, que eu sou muitas porque sonho muito e não limito meus sonhos.

Eu sou mãe e dona de casa, sou também artista, empreendedora, designer, pesquisadora e sabe-se lá o que mais ainda posso ser! Conciliar tudo isso não é fácil. Fazer com que as pessoas entendam então… ficou bastante complicado. Afinal, a Yankatu é o que? Uma loja, uma ONG, uma galeria?

A Yankatu é o nome à frente do meu estúdio de design com alma, dos meus trabalhos com os artesãos brasileiros. Ela é onde nós somamos forças e ideias sem perdermos as identidades. Onde contamos histórias de transformação e beleza.

E eu, Maria Fernanda? Eu, como disse, eu sou muitas.

Sou a idealizadora da Yankatu, uma apaixonada pelos artesãos brasileiros. Sou a designer por trás das suas criações também, que trabalha lado a lado com os guardiões das nossas tradições. Sou aquela que viaja pelo Brasil para viver outras histórias, que está de pé no chão na comunidade e de salto alto no lançamento de uma coleção.

Sou artista plástica e, como artista, anseio por criar esculturas e instalações que dialoguem com o público. Obras que me permitam expressar tudo aquilo que não consigo colocar em palavras e que o limite da função, exigida pelo design, não me possibilita alcançar.

Sou uma incansável autora de projetos de impacto social. Projetos que se iniciaram tímidos, mas cujos propósitos sempre foram ambiciosos. A princípio era a necessidade urgente de valorizar o artesão e mudar a forma como o público olha, entende, valoriza e adquire o artesanato brasileiro. Aos poucos adentrei mais profundamente este universo, na busca por valorizar os povos originários e suas culturas, de entender suas histórias através de sua oralidade, suas necessidades por meio da luta que vivem todos os dias, criando projetos que hoje ganham outras proporções e estruturas.

Sou também uma incansável contadora de histórias, por meio de palestras, talks, webinars, textos e cartas abraçando sempre as oportunidades onde seja possível compartilhar o conhecimento adquirido por meio das minhas experiências.

Qualquer dúvida estarei sempre por aqui!

Um abraço,

Maria Fernanda Paes de Barros.